Lula:mensalão teve linchamento, não julgamento
Lula acredita que daqui a meio século, quando puder falar sobre o mensalão sem a pressão da conjuntura, a posteridade vai reescrever o noticiário. "A história não é contada no dia seguinte, a história é contada 50 anos depois", afirmou. "E eu acho que a história vai mostrar que, mais do que um julgamento, o que nós tivemos foi um linchamento, por uma parte da imprensa brasileira, no julgamento."
Em entrevista a uma dupla de repórteres —Tereza Cruvinel e Leonardo Cavalcanti—, Lula falou sobre o escândalo que enodoou seu primeiro mandato como se desejasse reencarnar no futuro na pele de biógrafo de si mesmo. Por ora, ele mede as palavras: "Eu tenho me recusado a falar disso porque sou ex-presidente, indiquei os ministros. Vou falar quando o julgamento terminar."
A língua, porém, já não segue totalmente os comandos do dono: "Uma coisa eu não posso deixar de criticar. Se pegar o último julgamento agora [dos embargos infringentes], o que a imprensa fez com o Celso de Mello foi uma coisa desrespeitosa à instituição da Suprema Corte, que é o último voto. Ou seja, depois dela, ninguém mais pode falar…"
Lula não está abespinhado apenas com a imprensa. Faz reparos também à atuação de alguns ministos que ele próprio indicou para o STF. Nesse ponto, porém, sua língua é mais comedida. Indagado sobre qual teria sido seu maior equívoco como presidente, o entrevistado pôs-se a falar do Supremo.
"Há quem me pergunte se não me arrependo de ter indicado tais pessoas para a Suprema Corte. Eu não me arrependo de nada. Se eu tivesse que indicar hoje, com as informações que eu tinha na época, indicaria novamente." E com as informações disponíveis agora? Bem, aí "eu teria mais critério".
Entre os ministros indicados por Lula está o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, atual presidente do Supremo. Se pudesse voltar no tempo alteraria algumas indicações? "Nem podemos pensar nisso", Lula desconversou. "Eu não sou mais presidente, eles já estão indicados e irão se aposentar lá."
Acha que o julgamento esticado, com a possibilidade de decretação de prisões em 2014, traz prejuízos eleitorais? "A sociedade brasileira já aprendeu a separar o joio do trigo, inclusive pelo que tentaram fazer comigo em 2006, na campanha", disse Lula. "Ninguém poderia ter sido mais violento comigo do que foi o [Geraldo] Alckmin."
Nesse ponto, Lula fez menção ao episódio do vazamento das fotos do dinheiro apreendido pela Polícia Federal com os "aloprados" petistas que planejavam comprar um dossiê contra tucanos –especialmente José Serra, que disputava com Aloizio Mercadante o governo de São Paulo. "Todo mundo sabe o que aconteceu na véspera da eleição, quando o delegado da Polícia Federal mentiu que tinham roubado a fita [em verdade, um CD], sendo que ele mesmo fez a entrega para quatro jornalistas."
Retornando ao mensalão, Lula retorna insinua que o STF marcou o início do julgamento para agosto de 2012 com propósitos eleitorais. "Todo mundo sabe o que houve na eleição do [Fernando] Haddad. Aquele julgamento no meio da eleição [municipal], qual era o objetivo? Tudo isso o povo percebe." Como se recorda, Lula fez lobby pelo adiamento num encontro com o ministro Gilmar Mendes, no escritório do ex-ministro Nelson Jobim.
Então, acha que o mensalão não terá efeitos sobre o pleito de 2014?, os repórteres insistiram. "O povo sabe separar as coisas", Lula respondeu. "Agora, o que não se pode é negar o direito das pessoas de exigirem provas. Eu sinceramente tenho muita vontade de falar, mas eu preciso me calar."
Para Lula, seja qual for o veredicto, os "companheiros" já cumprem pena. "Se amanhã a Justiça falar que absolveu, estarão condenados do mesmo jeito. Ninguém se dá conta do que aconteceu com a família das pessoas, com os filhos das pessoas. Esta substituição da informação pela versão que interessa não pode ser adequada à construção de um país democrático."
Lula absteve-se de mencionar. Mas o escândalo traumatizou também os brasileiros que esperavam ética do PT e do governo dele. Alguns pais de família não tiveram tempo de tirar as crianças da sala quando o noticiário da tevê se dedicava à roubalheira. De resto, onde Lula vê uma versão distorcida da história não há senão informações produzidas pela investigação estatal.
Nascido da delação do aliado Roberto Jefferson, o mensalão começou a ser varejado numa CPI presidida por um senador do PT, Delcídio Amaral, e relatada por um deputado do PMDB, Osmar Serraglio. Coube à Polícia Federal de Lula recolher as provas e os depoimentos que faltavam para equipar o Ministério Público.
Servindo-se dos achados da PF, o então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, indicado e reconduzido por Lula, redigiu a denúncia. Ele esquadrinhou a quadrilha, enumerou os crimes, listou os roubos, individualizou as culpas e apontou o chefe: José Dirceu. Para completar, o caso é julgado por um STF majoritariamente composto de magistrados indicados sob Lula e Dilma.
Quando reencarnar no futuro sob a pele de biógrafo de si mesmo, Lula terá certa dificuldade para explicar por que suas impressões sobre o mensalão mudaram tanto. Em 2005, nas pegadas da explosão do escândalo, desnorteou-se. "Eu não sabia", disse. Quando o melado escorreu além do esperado, foi à tevê.
Dizendo-se "traído", Lula declarou em rede nacional o seguinte: "Não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas. Porque o povo brasileiro […] não pode, em momento algum, estar satisfeito com a situação que o nosso país está vivendo." Como se vê, falta nexo à tentativa de reescrever a história.
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