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Josias de Souza

Para Marina, só na eleição Dilma vê o ambiente

Josias de Souza

21/10/2013 03h25

Em artigo veiculado no seu blog, Marina Silva anotou: "Não é por mera coincidência que, um ano antes da eleição, a mesma Dilma que promulgou as mudanças no Código Florestal que favorecem o desmatamento tenha incorporado o desenvolvimento sustentável ao seu discurso."

Marina comentou no texto o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, anunciado por Dilma Rousseff na semana passada. Ela reproduziu uma frase do discurso da presidente: "Nosso país tem dado passos significativos na construção de um padrão de desenvolvimento sustentável. É possível que este país que cresce distribua renda e inclua, e seja um país que conserve e proteja o meio ambiente."

A líder da Rede Sustentabilidade insinuou que não é sincera a preocupação ambiental de Dilma. Para Marina, o que levou a presidente a anunciar o plano que destina R$ 8,8 bilhões em três anos à produção de alimentos orgânicos, sem agrotóxicos, foi "a forte incidência da agenda da sustentabilidade no cenário político."

O que Marina escreveu, com outras palavras, foi que Dilma faz por pressão da conjuntura eleitoral o que deixou de fazer por convicção. Enrola-se na bandeira da sustentabilidade para tentar reagir à Rede que, em parceria com o PSB do presidenciável Eduardo Campos, prepara um programa em que o crescimento sustentável será parte do modelo, não um detalhe.

Em reforço à sua tese, Marina lembrou que o plano agroecológico apresentado por Dilma como novidade "foi criado em 2012, quando a própria presidente assinou decreto para que fosse executado." A despeito disso, o projeto "estava engavetado". Marina lembrou ainda que desde 2003, primeiro ano do mandato inaugural de Lula, "o país conta com lei sobre a produção orgânica."

Segundo Marina, o plano finalmente anunciado por Dilma "merece todo apoio dada a relevância para a agricultura familiar." Pelas suas contas "75 mil famílias deverão ser favorecidas". A iniciativa é criticável, porém, pela demora e pela timidez. "Uma década após a promulgação da lei, o plano surge com metas tímidas, como a de 5% de compras obrigatórias para o Programa da Aquisição de Alimentos, o equivalente a R$ 138 milhões, e para o Programa Nacional Alimentação Escolar, R$ 150 milhões."

Não é a primeira vez que a atmosfera pré-eleitoral faz Dilma acordar para a agenda ambiental, sustentou Marina. "Situação semelhante se observou no final de 2009, durante a Conferência de Mudanças Climáticas da ONU, em Copenhague", ela escreveu. Nessa ocasião, Dilma chefiava a Casa Civil. E já era "apontada como pré-candidata de Lula à sua sucessão".

Foi Dilma quem "liderou a delegação brasileira" na conferência climática da ONU. No dizer de Marina, "o núcleo político-estratégico do governo se mostrava refratário (alguns de seus integrantes até eram contrários) ao estabelecimento de metas para o Brasil reduzir suas emissões de CO2." Mais que isso: "Na capital dinamarquesa, a presidenciável chegou a dizer que metas eram para países ricos."

Marina ativou a memória: "O posicionamento gerou forte reação da comunidade científica, de setores do empresariado e do movimento ambientalista." Além disso, o então governador de São Paulo, José Serra, apontado na época como "principal adversário" de Dilma na eleição que ocorreria em 2010, lançou "o programa estadual de redução de 20% da emissão de gases efeito estufa."

Marina prosseguiu: "Frente ao risco de desgaste político gerado pela resistência de Dilma, e com o temor de seu impacto eleitoral, o próprio Lula se deslocou a Copenhague e interveio para que a delegação brasileira fizesse a revisão de sua diretiva. Dilma, então, passou a ser favorável à adoção de uma meta de redução de 36,1% a 38,9% das emissões previstas para 2020."

No derradeiro parágrafo de seu artigo, Marina insinuou que a preocupação de Dilma com a sustentabilidade, embora eleitoreira, deve ser celebrada. "Esses dois eventos, o de Copenhague e o do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, revelam o quanto ideias fortemente alicerçadas em representatividade e legitimidade social podem fazer com que agendas político-eleitorais até então distantes dessas linhas programáticas se esforcem para incorporá-las ao seu repertório. Se isso vier a se transformar em ações e resultados, ganharemos todos, ganhará o Brasil."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.