FHC critica oposição: ‘Estamos berrando pouco’
Fernando Henrique Cardoso enxerga na conjuntura "sinais alarmantes". É esse o título do artigo que o grão-mestre do PSDB levou às páginas neste domingo. Num texto em que chama Lula de "mago do ilusionismo" e trata os punhos erguidos dos presidiários José Dirceu e José Genoino como uma coreografia de "Lenines que receberam dinheiro sujo", FHC lança um olhar pessimista sobre 2014.
"Estamos a ver as manobras preparatórias para mais uma campanha eleitoral sob o signo do embuste", ele anotou, antes de alvejar Dilma Rousseff: "A candidata oficial, pela posição que ocupa, tem cada ato multiplicado pelos meios de comunicação. Como o exercício do poder se confundiu, na prática, com a campanha eleitoral, entramos já em período de disputa."
A disputa é "desigual", avalia FHC. "Só um lado fala", lamenta. "As oposições, mesmo que berrem, não encontram eco", constata. "E, sejamos francos: estamos berrando pouco", critica. Ele não deu nome aos bons cabritos. Mas como falou em "oposições", assim, no plural, supõe-se que sente falta tanto dos berros de Aécio Neves quanto dos de Eduardo Campos (PSB).
Paradoxalmente, FHC exercitou seu pessimismo ao tratar de um fato que considerou alvissareiro: "Finalmente fez-se justiça no caso do mensalão." Num gesto de autocontenção, ele reteve o júbilo: "É triste ver na cadeia gente que em outras épocas lutou com desprendimento."
Lamenta ver os membros do núcleo político do PT presos ao lado dos Valérios do núcleo publicitário e dos banqueiros do núcleo Rural, "que se dedicaram a encher os bolsos ou a pagar suas campanhas à custa do dinheiro público". Mas não foi a promiscuidade das (más) companhias o que mais assustou FHC.
"Mais melancólico ainda é ver pessoas que outrora se jogavam por ideais – mesmo que controversos – erguerem os punhos como se vivessem uma situação revolucionária", escreveu, numa alusão ao gesto encenado por Dirceu e Genoino no instante da rendição à Polícia Federal.
"Onde está a Revolução? Gesticulam como se fossem Lenines que receberam dinheiro sujo, mas usaram-no para construir a 'nova sociedade'. Nada disso: apenas ajudaram a cimentar um bloco de forças que vive da mercantilização da política e do uso do Estado para perpetuar-se no poder."
FHC enxerga na "encenação farsesca", um "significado claro: eleições à vista. É preciso mentir, autoenganar-se e repetir o mantra. Não por acaso a direção do PT amplifica a encenação e Lula diz que a melhor resposta à condenação dos mensaleiros é reeleger Dilma Rousseff…"
Nas pegadas da expedição dos primeiros mandados de prisão de mensaleitos, a repórter Vera Rosa noticiou que Lula telefonou para Dirceu e Genoino. "Estamos juntos", teria dito o morubixaba do PT. FHC evocou a frase em seu artigo.
Deu a entender que Lula, "o mago do ilusionismo", traiu-se ao tentar tirar cartolas de dentro dos coelhos. "Neste caso, quem sabe, um lapso verbal expressou sinceridade: estamos juntos, disse Lula. Assumiu meio de raspão sua fatia de responsabilidade, ao menos em relação a companheiros a quem deve muito. E ao país, o que dizer?"
O que FHC afirmou nesse trecho, com outras palavras, foi que não merece crédito aquele Lula 'não sabia nadinha' da Silva do alvorecer da crise. Em seu artigo, o xamã do tucanato insinuou que, hoje, frequenta a cena um Lula condenado pelo domínio do fato à solidariedade perpétua.
FHC cobra dos antagonistas do petismo um comportamento, por assim dizer, joaquiniano. "É preciso dizer com coragem, simplicidade e de modo direto, como fizeram alguns ministros do Supremo, que a democracia não se compagina com a corrupção nem com as distorções que levam ao favorecimento dos amigos."
Fez bem a FHC a mistura da experiência acumulada na Presidência com o descompromisso da ex-presidência. Munido do salvo-conduto que se autoconcedeu, FHC virou um trombone solitário. No fundo, ele sabe que desperdiça o latim. Quem vive de esperanças de ver o PSDB e o PSB tratando o mensalão com desassombro vai morrer muito magro.
Nessa matéria, a coragem do tucanato diminui na proporção direta da aproximação do dia do julgamento do mensalão emplumado de Minas Gerais. Ex-presidente do PSDB federal, Eduardo Azeredo é uma condenação esperando para acontecer. Quanto ao PSB, a covardia da legenda é proporcional à cumplicidade que exibiu enquanto esteve no governo, até anteontem.
Em setembro de 2012, quando os ministros do STF começaram a condenar os mensaleiros, Eduardo Campos subscreveu um manifesto em que o PT acusava a oposição e a mídia de transformar o mensalão num "julgamento político, golpear a democracia e reverter as conquistas que marcaram a gestão do presidente Lula". Se levar a boca ao trombone agora, vai faltar sopro.
O que mais parece incomodar FHC é o fato de o silêncio se propagar em ondas. "É enorme o arco de alianças políticas no Congresso cujos membros se beneficiam por pertencer à 'base aliada' de apoio ao governo. Calam-se diante do mensalão e demais transgressões, como se o 'hegemonismo petista' que os mantém seja compatível com a democracia." Shuááá!
"Que dizer então da parte da elite empresarial que se serve dos empréstimos públicos e emudece diante dos malfeitos do petismo e de seus acólitos?" Shuááá, shuááá!! "Ou da outrora combativa liderança sindical, hoje acomodada nas benesses do poder?" Shuááá, shuááá, shuááá!!! "Muitos sabem que o rei está nu e poucos bradam."
Em timbre de desalento, FHC escreve: "Não estamos diante de um quadro eleitoral normal. A hegemonia de um partido que não consegue se deslindar de crenças salvacionistas e autoritárias, o acovardamento de outros e a impotência das oposições estão permitindo a montagem de um sistema de poder que, se duradouro, acarretará riscos de regressão irreversível."
Que fazer? "Só tem um caminho: as urnas", lenciona FHC aos correligionários. "É preciso desfazer na consciência popular, com sinceridade e clareza, o manto de ilusões com que o lulo-petismo vendeu seu peixe. Com a palavra as oposições e quem mais tenha consciência dos perigos que corremos."
O ex-ministro Sérgio Motta, velho amigo de FHC, morreu sonhando com a permanência do PSDB no poder federal por 20 anos. A julgar pela recuperação de Dilma nas pesquisas —lenta, mas contínua— não são negligenciáveis as chances de o petismo obter em 2014 a prorrogação do pesadelo do tucanato até 2018. Serão 16 anos corridos.
Lula estará autorizado a dizer: nunca antes na história desse país um partido conseguiu semelhante façanha. Os militares tiveram 21 anos, mas com um AI-5 de permeio. Getúlio Vargas teve 15, mas foi ditador num pedaço do enredo e se matou no final do filme.
– Serviço: Aqui, a íntegra do artigo de Fernando Henrique Cardoso.
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