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Josias de Souza

Juiz quebra sigilo de ex-presidente da Siemens

Josias de Souza

01/12/2013 04h09

O juiz Fábio Rubem David Müzel, da 6.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, ordenou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Adilson Antonio Primo (na foto), ex-presidente da Siemens no Brasil. Incumbiu o Banco Central de levantar as operações bancárias realizadas por Primo de 2001 a 2011, período em que ele comandou a subsidiária brasileira da multinacional alemã. E mandou a Receita Federal abrir as declarações de Imposto de renda apresentadas pelo personagem nos últimos cinco anos.

A decisão judicial foi tomada no mês de agosto. Em notícia veiculada neste domingo, os repórteres Fausto Macedo e Fernando Gallo informam que o pedido partiu da Polícia Federal e foi avalizado pelo Ministério Público. Os dados serão anexados ao inquérito que investiga o cartel suspeito de fraudar licitações dos trens e do metrô de São Paulo entre 1998 e 2008, nos governos tucanos de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin.

Para sensibilizar o juiz Fábio Müzel, a PF escorou o pedido de quebra dos sigilos de Adilson Primo num relatório de inteligência do Coaf, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras. O órgão detectou "operações atípicas" numa conta bancária do ex-presidente da Siemens. Mencionou-se também o suposto vinculo do ex-mandachuva da multinacional com uma conta aberta no paraíso fiscal de Luxemburgo.

Em seu despacho, o magistrado foi minucioso na ordem que deu ao BC. Determinou que fossem levantadas "todas as informações sobre remessas e recebimentos de recursos internacionais e de operações de câmbio, além de outros recursos no exterior e declarações de bens e capitais relacionados ao sr. Adilson Primo."

Fábio Müzel anotou que as providências são "pertinentes e adequadas às investigações, com o fim de averiguar se a evolução patrimonial do investigado condiz com os rendimentos percebidos nos últimos anos, bem como se eventuais recursos mantidos no exterior foram declarados às autoridades fiscais".

A Siemens celebrou com o Cade, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, um acordo no qual se comprometeu a expor os meandros do conluio empresarial que fraudou licitações. Em troca, a empresa espera obter perdão judicial. No jargão da burocracia, dá-se ao acerto o nome de "acordo de leniência". Sob a supervisão do Ministério Público, a PF apura a suspeita de pagamento de propinas a agentes públicos e políticos. Ouvidos nesse inquérito, executivos da Siemens não ligaram o ex-presidente Adilson Primo aos malfeitos.

Primo foi demitido da Siemens em outubro de 2011, nas pegadas de uma auditoria feita pela multinacional nos seus escritórios ao redor do mundo. Farejaram-se remessas milionárias da subsidiária brasileira para uma conta aberta no Banco Itaú Europa, no Grão Ducado de Luxemburgo. Coisa de € 6 milhões.

Cinco dias depois de sua demissão, falando ao repórter Venceslau Borlina Filho, Adilson Primo negara o desvio de recursos. Atribuíra sua dispensa à quebra de confiança. Teria agido em desacordo com diretrizes da empresa. Na sua tentativa de explicação, o demitido soara lacônico:

"A quebra de confiança é um tema interno da empresa e não posso mencioná-lo, mas não é nada que remeta a outras suspeitas. Saio com a sensação de dever absolutamente cumprido, de ter sido ético e ter passado isso a todos os meus funcionários e no mercado geral", dissera esse Adilson Primo de dois anos atrás.

Há três meses, em agosto passado, o ex-presidente da Siemens declarou que a conta de Luxemburgo, que chamou de "conta de compensação", fora aberta e operacionalizada pela diretoria financeira da subsidiária brasileira da multinacional, com a anuência da matriz alemã. Procurada, a Siemens negou-se a comentar. Alegou que corre em segredo na Justiça um processo sobre o caso.

Adilson Primo ajuizou na Justiça do Trabalho uma ação contra a Siemens. Nessa ação, a multinacional sustenta que a conta de Luxemburgo jamais lhe pertenceu. Segundo a PF, a titular da conta chama-se Singel Canal Services CV.. Trata-se de uma firma que tem 99,99% de suas cotas sob o controle da Suparolo Private Foundation, uma fundação privada pertencente a três sócios. Entre eles Adilson Primo.

O "relatório de inteligência" do Coaf do qual a PF extraiu os dados que sensibilizaram o juiz Fábio Müzel leva o número 6.789. Entre as atipicidades bancárias atribuídas a Adilson Primo está a transferência para sua mulher, Thalita Cravieri Vicente, de cotas de um fundo de investimento no valor de R$ 1 milhão.

O magistrado estranhou uma coincidência do calendário: "É de se ressaltar que as movimentações financeiras tidas como atípicas ocorreram logo após a demissão de Adilson da presidência do Grupo Siemens do Brasil, em virtude das supostas irregularidades."

Sobre a conta aberta no estrangeiro, o juiz escreveu: "Há indícios da prática de delitos afetos à competência desta vara [crimes financeiros e lavagem de dinheiro], tendo em vista a informação de que o representado teria supostamente movimentado conta no exterior, razão pela qual se mostram pertinentes os pleitos [da PF] ". Acrescentou: "Patente a necessidade-utilidade e a pertinência da quebra dos sigilos bancário e fiscal de Adilson Primo."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.