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Josias de Souza

Só Genoino pode salvar o epílogo de Genoino

Josias de Souza

03/12/2013 19h37

"Entre a humilhação e a ilegalidade", José Genoino prefere "o risco da luta". Foi o que ele escreveu na carta em que renunciou ao mandato para fugir da cassação. Genoino vê a fuga como "uma breve pausa nessa luta". Ou, por outra, ele bate em retirada para demarcar "o início de uma nova batalha".

Genoino não diz na carta que nova causa defenderá. Mas é bom saber que a saúde debilitada não lhe roubou o ânimo. Tomado pelo texto da renúncia, a primeira batalha de Genoino é contra a calculadora. Ele se considera protagonista de "uma história de mais de 45 anos de luta em prol da defesa intransigente do Brasil."

Para fazer justiça a si mesmo, Genoino precisa subtrair pelo menos oito anos dos 45 que contabiliza. Ainda lhe sobrariam 37 anos de luta pelo Brasil. E Genoino adicionaria grandeza à sua biografia. Faria isso ao reconhecer que, desde 2005, quando explodiu o mensalão, lutou por muita coisa, menos pelo país.

Genoino faria um enorme favor a Genoino se enxergasse a autocrítica na imagem de Genoino refletida no espelho. A demora na expiação dos pecados potencializa o castigo. O martírio deixa Genoino aborrecido. Ficou especialmente chateado com a "transformação midiática em espetáculo de um processo de cassação."

Autor do seu próprio enredo, Genoino faz o pior o melhor que pode. Era funcionário do Ministério da Defesa quando o STF o condenou por corrupção ativa. Demitiu-se. Não queria submeter a amiga Dilma Rousseff a contrangimentos.

Suplente de deputado, Genoino teve a opção de não assumir a cadeira na Câmara. Fez questão de tomar posse do assento, do contracheque de R$ 26,7 mil e de todos os benefícios que o dinheiro público pode pagar. Às favas com o constrangimento dos contribuintes.

Operado de cardiopatia grave em julho, Genonio pediu à Câmara aposentadoria por invalidez. Normal. Ao examiná-lo, os médicos da Câmara preferiram conceder-lhe licença de 90 dias. Passada a recuperação pós-cirúrgica, novos exames verificariam se o operado estava mesmo inválido.

O Brasil andava entediado. Ao reconhecer a validade dos embargos infringentes, o STF passara a impressão de que as punições do mensalão tinham ficado para depois do Natal, do Ano Novo, do Carnaval, da Copa do Mundo —enfim, as punições tinham ficado para depois.

Se o STF estava relaxado, Genoino e o PT também ficaram. De repente, o Supremo resolve fatiar as sentenças, executando imediatamente as fatias insuscetíveis de recurso. Joaquim Barbosa expede as ordens de prisão e Genoino entrega-se à PF. Para piorar a coreografia, ergueu o punho. Bradou para as câmeras: "Viva o PT!"

Genoino foi tomado por um súbito sentimento de pressa. Pediu à Câmara que acelerasse a concessão de sua aposentadoria. Por mal dos pecados, num intervalo de 48 horas, duas juntas médicas —uma encomendada pelo STF, outra solicitada pela Câmara—informaram que a cardiopatia de Genoino "não é grave".

Nesse ponto, o espetáculo desandou. Houve curto-circuito no palco. Nunca antes na história desse país atestados de boa saúde arrancaram tantos lamentos dos amigos do paciente. Rui Falcão, presidente do PT, chegou mesmo a levantar suspeitas em relação à isenção dos médicos.

Brindado com a prorrogação da licença médica por mais 90 dias, Genoino viu dissipar-se o sonho de fugir da cassação pela porta lateral. Para complicar, promulgou-se a emenda constitucional que acabou com o voto secreto na apreciação dos pedidos de cassação de parlamentares.

Em privado, Genoino disse que não admitia assistir ao ingresso de uma cassação dentro de sua biografia. Os amigos sugeriram a renúncia. Nesta terça, ao perceber que havia se transformado numa cassação esperando para acontecer, Genoino disse aos quatro companheiros que foram visitá-lo em sua prisão domiciliar: "Eu sou grande." E resolveu renunciar para proteger o PT e a esquerda brasileira.

Antes de proteger o PT e a esquerda, Genoino fez uma última tentativa de proteger a si mesmo. Sua carta de renúncia chegou à reunião da Mesa da Câmara no bolso do companheiro André Vargas (PT-PR), vice-presidente da Câmara. O presidente Henrique Eduardo Alves abriu a votação.

Esboçou-se um placar de 5 a 2 a favor da abertura do processo de cassação. Vargas queria que Henrique suspendesse o processo enquanto durasse a licença de Genoino. Não colou. Ao notar que a causa de Genoino não dispunha senão do apoio dos dois votos do PT na Mesa, Vargas entregou a carta de renúncia. O PT e a esquerda estavam salvos.

"Jamais acumulei patrimônio ou riqueza", escreveu Genoino no terço final de sua carta. Verdade. Mas nem só de dinheiro é feito o patrimônio de um político. Ao se pronunciar no julgamento em que Genoino foi condenado por nove votos a um, a ministra Cármen Lucia declarou-se pesarosa. "Mas não estamos julgando histórias pessoais", ela realçou. "Estamos julgando as provas dos autos."

Cármen Lucia revisitou as provas. A certa altura, lembrou que, em depoimentos unânimes, os personagens do escândalo diziam que as arcas do PT estavam "em frangalhos" no ano eleitoral de 2002. Presidia a legenda José Genoino. A ministra foi ao ponto:

"Como é possível que, do início de 2003 até meados de 2005, o PT passasse a ter tanto dinheiro para distribuir para tanta gente, e essa súbita facilidade não levasse José Genoino a perguntar 'de onde vem esse dinheiro? O que é isso? Como se conseguiu isso?'."

Só Genoino pode salvar o epílogo de Genoino. Ele não diz na carta que nova causa defenderá nesse "inicio de uma nova batalha". Que tal abraçar a causa da verdade? Ante as provas recolhidas pela PF de Lula, denunciadas pelo procurador-geral indicado por Lula e julgadas por um STF majoritariamente composto por magistrados escolhidos por Lula e Dilma, Genoino não merece descer ao verbete da enciclopédia como um cego atoleimado, incapaz de enxergar uma manada de elefantes.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.