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Josias de Souza

Negativa de asilo a Snowden ignoraria documento firmado por Dilma em julho

Josias de Souza

17/12/2013 17h25

Submetido à revelação de que Edward Snowden deseja tornar-se um asilado político no Brasil, o Itamaraty apressou-se em sinalizar que o pedido do delator do esquema de espionagem dos EUA será indeferido. Ao proceder assim, a pasta chefiada pelo chanceler Luiz Alberto Figueiredo converteu em letra morta um comunicado do Mercosul endossado por Dilma Rousseff em 12 de julho.

Reunida em Montevidéu com os colegas do Uruguai, Venezuela, Argentina e Bolívia, Dilma rubricou meia dúzia de comunicados conjuntos. Estão disponíveis aqui. O terceiro trata do "reconhecimento universal do direito de asilo político." Na ocasião, quatro países haviam oferecido asilo a Snowden: Equador, Bolívia, Nicarágua e Venezuela. Nos subterrâneos, os EUA ameaçavam retaliar.

Foi contra esse pano de fundo que os presidentes do Mercosul divulgaram o documento assinado há cinco meses. O texto é um libelo pró-asilo. No texto endossado por Dilma, os subscritores destacam "o compromisso histórico de todos os países latino-americanos com o direito de asilo."

Reiteram "a importância de observar plenamente o direito de asilo e suas implicações". Reafirmam "o direito inalienável de todo Estado de conceder asilo." Sublinham que nenhum país tem "o direito de impedir seus cidadãos de solicitar asilo, nem tampouco de impedir a implementação desse direito fundamental por qualquer meio."

Os presidentes do Mercosul repudiaram "toda tentativa de pressão, intimidação ou criminalização de um Estado ou de terceiros sobre a decisão soberana de qualquer nação de conceder asilo." Por fim, solidarizaram-se "com os governos de Equador, Bolívia, Nicarágua e Venezuela, que ofereceram asilo humanitário ao senhor Edward Snowden."

Depois da divulgação desse documento, Dilma cancelou uma "visita de Estado" que faria aos EUA, condenou a espionagem americana em discurso proferido do alto da tribuna da ONU e propôs a adoção de regras planetárias de proteção à privacidade cibernética.

Agora, o Itamaraty sinaliza que o asilo a Snowden deve ser negado porque o Brasil respeita a soberania alheia e não cogita "dar o troco" nos EUA. Confirmando-se a negativa, Dilma e sua diplomacia se desobrigarão de fazer sentido.

Numa carta aberta ao povo brasileiro, Snowden escreveu: "Apenas três semanas atrás, o Brasil liderou o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas para reconhecer, pela primeira vez na história, que a privacidade não para onde a rede digital começa e que a vigilância em massa de inocentes é uma violação dos direitos humanos. A maré virou e, finalmente, podemos visualizar um futuro em que possamos desfrutar de segurança sem sacrificar nossa privacidade."

No último parágrafo de sua carta, o personagem cujo direito ao asilo Dilma defendeu no documento de julho escreveu: "Se o Brasil ouvir apenas uma coisa de mim, que seja o seguinte: quando todos nos unirmos contra as injustiças e em defesa da privacidade e dos direitos humanos básicos, poderemos nos defender até dos mais poderosos dos sistemas." O governo brasileiro dá indicações de que responderá o seguinte a Snowden: me inclua fora dessa.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.