Câmara reembolsa até a gasolina do Carnaval
O deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), aquele que certa vez disse que "se lixa" para a opinião pública, espetou na conta do contribuinte um inusitado lote de notas fiscais. Referem-se a despesas com o abastecimento dos carros supostamente utilizados por ele e pelas 25 pessoas que o assessoram em Brasília e o Rio Grande do Sul. Incluem, por exemplo, 43 abastecimentos feitos num mesmo posto, em Santa Cruz do Sul, em pleno feriadão do Carnaval de 2013.
Em cinco dias de folia, entre a sexta-feira e a terça-feira gorda, o gabinete do deputado atingiu o limite mensal de gastos com combustível fixado pela Câmara: R$ 4,5 mil. Em gasolina: 1,4 mil litros. O bastante para rodar 14 mil quilômetros. Tudo em pleno Carnaval. E a Câmara, veja você, reembolsou.
Deve-se o levatamento dos dados aos repórteres Caue Fonseca, Guilherme Mazui e Rodrigo Saccone. Eles informam que, na bancada gaúcha, Sérgio Moraes é campeão de reembolsos. Na atual legislatura, iniciada em 2011, ele gastou R$ 142,29 mil com gasolina. A cifra foi atualizada pela última vez em setembro. A ela ainda se somarão os três últimos meses de 2013.
Normalmente, os gabinetes vão acumulando cupons de abastecimento até atingir o valor a ser solicitado à Câmara. Faz-se, então, a nota fiscal que justificará o reembolso mensal. Valendo-se da Lei de Acesso à Informaçãos, os repórteres conseguiram apalpar 1.176 cupons levados aos arquivos da Câmara pelo gabinete de Sérgio Moraes entre janeiro de 2012 e junho de 2013. São papeis reveladores.
Informam, por exemplo, que Sérgio Moraes e seus 25 assessores realizam uma média de 65 abastecimentos por mês. Por vezes, as paradas no posto de gasolina são sequenciais, com uma diferença de minutos a separar umas das outras. É como se o deputado e seus auxiliares fizessem fila na bomba. Outra peculiaridade: o gabinete de Moraes atinge o teto de reembolso nos primeiros dias do mês.
Tome-se, por exemplo, o mês de maio de 2012. Tomados pelos papeis que encaminharam à administração da Câmara, Sérgio Moraes e sua equipe realizaram inacreditáveis 114 abastecimentos entre os dias 1º e 5. Num único dia, 4 de maio, realizaram-se 43 supostas paradas no posto, ao custo de R$ 1.763,98.
Em junho de 2012, os abastecimentos foram contados em 105. Mistério supremo: no dia 3 de junho, um domingo, anotaram-se 49 passagens pelo posto de gasolina entre 7h22 e 21h55. Em quatro ocasiões, os carros pararam defronte da bomba simultaneamente. Isso teria acontecido às 14h25min, 15h40min, 17h12min e 19h08min.
Em janeiro de 2013, em pleno recesso parlamentar, Sérgio Moraes atingiu a cota de R$ 4,5 mil em escassos dois dias. Só no dia 4, uma sexta-feira, torraram-se R$ 2,8 mil em 40 peseudoabastecimentos.
Ouvido, Sérgio Moraes disse que é grande a quantidade de municípios atendidos pelo seu gabinete. E quanto à coincidência de horários? "Acredito que seja devido aos carros ou motos estarem juntos no mesmo horário abastecendo ao final ou antes de uma reunião", teoriza o deputado. "Mas também pode ter acontecido que o estabelecimento tenha acumulado cupons e tenha juntado com a nota."
Sérgio Moraes não admite a ocorrência de dolo. Porém, numa concessão à racionalidade, considera a hipótese de ter ocorrido alguma falha: "Se está errado, tem dois lugares que erraram. Ou foi o posto que pegou assinatura da nota e depois emitiu o cupom. Isso está errado, não acompanho esta parte. Ou aqui no meu gabinete, ao ter remetido para a prestação de contas, não prestou atenção neste fato. Vou atrás e vou conferir."
O deputado acha que o limite fixado pela Câmara para os gastos com combustível é baixo. Sustenta que gasta mais do que os regulamentares R$ 4,5 mil. "Só a minha caminhonete roda de 6 a 8 mil quilômetros por mês. Só um carro, tu pensas todos os outros." Ohhhhh, que dó!
Procurada, a Câmara emitiu uma nota oficial. No texto, informa que as solicitações de reembolso são assinadas pelos deputados. Com essas rubricas, eles assumem a responsabilidade pela autenticidade da documentação. Considerando-se o malcheiro, a Câmara renderia homenagens aos brasileiros em dia com a Receita Federal se fizesse uma checagem mínima dos papeis que lhe chegam. Dinheiro público não é sinônimo de dinheiro grátis.
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