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Josias de Souza

No registro da Aeronáutica, cirurgia capilar de Renan foi evento de serviço

Josias de Souza

23/12/2013 20h07

Ao ceder um jato para que Renan Calheiros voasse de Brasília para Recife na última quarta-feira (18), a Força Aérea Brasileira imaginou que transportava o presidente do Congresso Nacional para um compromisso oficial, não para uma cirurgia de implante capilar.

No registro do Comando da Aeronáutica, está escrito que Renan viajou a "serviço". O jato que o conduziu decolou às 22h15, no horário de Brasília. E pousou às 23h30, no horário local da capital pernambucana. Havia quatro passageiros a bordo. A FAB não informa os nomes dos três acompanhantes de Renan.

Armazenados no Comando da Aeronáutica, órgão do Ministério da Defesa, os dados da FAB não ornam com os fatos. Em verdade, Renan voou para Recife porque faria no dia seguinte, quinta-feira (19), uma cirurgia para implantar 10 mil fios de cabelo.

Na pasta da Defesa, atribui-se ao Senado a responsabilidade pelo registro equivocado. Partiu do gabinete de Renan a informação de que a viagem seria de trabalho. Ouvida, a assessoria do presidente do Senado eximiu-o de responsabilidade. Disse que "é praxe" do gabinete anotar nos ofícios remetidos à FAB que o senador viaja "a serviço".

O uso de jatos da FAB por autoridades como ministros e os presidentes do Legislativo está regulamentado num decreto presidencial editado em 2002, sob Fernando Henrique Cardoso. Prevê que as aeronaves poderão ser requisitadas em três situações: por motivo de segurança e emergência médica; em viagens a serviço; e nos deslocamentos para o local de residência permanente.

A viagem de Renan não se encaixa em nenhuma das possibilidades. Implante capilar é cirurgia estética, não emergência médica. A agenda daquela quarta-feira previa dois compromissos: às 14h45, Renan recebeu familiares do ex-presidente João Goulart. Às 15h, comandou a sessão que restituiu simbolicamente o mandato a Goulart. Quanto à residência, a de Renan fica em Maceió, não em Recife.

A despeito da clareza dos fatos, Renan decidiu consultar a FAB antes de restituir ao Tesouro o dinheiro que o contribuinte gastou no voo que ele não estava autorizado a fazer. Nesta segunda-feira, o senador remeteu um ofício ao comandante da Aeronáutica, brigadeira Juniti Saito.

No texto, perguntou a Saito se houve alguma irregularidade no voo. Depois de enviar o ofício, Renan como que caiu em si. E mandou dizer que vai devolver o dinheiro independentemente da resposta do brigadeiro. Quanto? O Senado não informa. A FAB também não.

Não é a primeira vez que Renan voa ilegalmente nas asas do contribuinte. Em  junho, sob o ronco das ruas, o senador viajou de FAB com sua mulher, Verônica, para um casamento em Trancoso, na Bahia.

Naquela ocasião, Renan era feito 100% de certezas. Não lhe passava pela ainda calva cabeça a ideia de ouvir o comandante Saito. "A FAB não pode dizer [o que pode ou não pode]. Nós é que temos o que dizer para a FAB. O transporte é em função da chefia do poder, da representação."

Ante a má repercussão do episódio, Renan acabou devolvendo R$ 32 mil ao erário. A FAB não informa quanto custou a você, caro contribuinte, a reincidência de Renan.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.