Troquem estátua do Drummond pela de Renan
Em 1951, Carlos Drummond de Andrade trouxe à luz o livro 'Claro Enigma'. De todas as coletâneas do poeta é a mais amarga. Sente-se o azedume já na epígrafe famosa de Paul Valéry: "Les événements m'ennuient" (Os acontecimentos me entediam). Hoje, nada é mais entediante do que o vandalismo a que vem sendo submetida a estátua de Drummond. Os atentados tornaram-se sistemáticos.
No poema 'Relógio do Rosário', um dos mais azedos de 'Claro Enigma', Drummond fede a pessimismo: "Nem existir é mais que um exercício / de pesquisar de vida um vago indício, / a provar a nós mesmos que, vivendo, / estamos para doer, estamos doendo." Ah, quanta premonição!
Morto em 1988, Drummond reviveu em 2002 na estátua do artista Leo Santana. Dois dias depois de ser acomodado num banco do calçadão de Copacabana, o poeta já estava pichado. É como se nossa ignorância ecoasse a paráfrase de Drummond, só para "provar a nós mesmos que, vivendo / estamos para doer, estamos doendo".
O Drummond do banco de Copacabana já foi emporcalhado incontáveis vezes. Teve os óculos arrancados em oito ocasiões. Na madrugada desta quarta-feira natalina, as câmeras da prefeitura do Rio pilharam o penúltimo ataque ao poeta. As cenas mostram um casalzinho se aproximando da estátua. A dupla olha ao redor, como a certificar-se de que a ignorância teria autores ignorados.
De repente, o rapaz pôs-se a borrar Drummond. Armado de spray branco, sujou-lhe o rosto, o peito e as pernas. Decerto jamais manuseou um livro do poeta. Cospe no prato em que não consegue comer. Se pudesse, a estátua talvez gritasse socorro. Mesmo com o risco de atrair a polícia.
Indefeso, Drummond deveria ser retirado de cena. Os admiradores do poeta lhe prestariam um favor se deflagrassem uma campanha. Troquem a estátua do Drummond pela de Renan, eis o lema. Se o objetivo é pichar e depredar, um Renan Calheiros de bronze seria mais adequado.
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