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Josias de Souza

Fala de Obama enterra a ilusão da privacidade

Josias de Souza

17/01/2014 18h04

O resto do mundo pode dormir tranquilo. Barack Obama anunciou que os EUA não vão mais espionar líderes de países "amigos e aliados". A bisbilhotagem agora tem limites. Chefes de nações estrangeiras só serão grampeados quando houver "uma forte razão de segurança nacional". Natural. Com segurança não se brinca. Muito menos com a segurança do império.

Obama não informou quem são os amigos do Olimpo. Mas Dilma Rousseff e Angela Merkel não precisam se preocupar. Os telefones vermelhos logo irão soar. "Se eu quero saber o que nossos amigos e aliados pensam, vou pegar o telefone e ligar para eles, em vez de recorrer à espionagem", disse o presidente americano. Sujeito bacana!

Quando Obama ligar, Dilma e Merkel não podem esquecer de perguntar: ministros e assessores também ficarão livres dos grampos da Agência Nacional de Segurança dos EUA? Isso não ficou muito claro no discurso do amigo. E amigo que é amigo não deve fazer segredo de suas intenções.

Obama reconheceu que seu pessoal andou abusando da capacidade de espionar. Mas não cogita ajoelhar no milho. Avisou que a NSA vai continuar coletando dados. Dentro e fora dos EUA. "Do mesmo jeito que outros países fazem", disse, numa concessão à ineficiência alheia. "Não vamos pedir desculpas porque nossos serviços são mais efetivos."

Washington honra sua condição de sede do império. Espiona com autoridade moral. Uma autoridade autoconcedida. "A capacidade dos EUA é única e há cada vez menos e menos coisas que não podemos fazer", declarou Obama. "O que nos impõe sérias obrigações sobre o que devemos saber. O perigo de abuso é cada vez mais agudo."

Quem ouve Obama estranha que parte do planeta, apegada a prudidos diplomáticos, não enxergue o alcance da missão civilizatória dos EUA. Países como Brasil, Alemanha e França acalentam a ilusão de que poder e  privacidade são coisas compatíveis. Gente primitiva! "Corporações estão seguindo vocês também, é assim que surgem as propagandas na tela de seu aparelho celular", ironizou Obama.

Nada justifica o questionamento das boas intenções de Washington. Sobretudo depois que Bin Laden aboliu a necessidade de exames de consciência. "Depois do 11 de Setembro, tivemos que nos adaptar a uma época em que se podia fazer uma bomba em qualquer garagem", justificou-se Obama. "Pedíamos aos serviços secretos para ter mais capacidade de prevenir ataques." Foram atendidos, não há dúvida.

Generosa, a Casa Branca não ambiciona apenas a própria salvação. Obama sustenta que a máquina de espionagem americana "preveniu muitos ataques e salvou muitas vidas não só nos EUA mas em todo o mundo." Louve-se, portanto, a elasticidade das fronteiras do império. Os limites da segurança interna dos EUA estão em toda parte. Hoje no Planalto. Amanhã na Petrobras. Depois de amanhã…

Bem verdade que a NSA não vem conseguindo evitar nem os massacres periódicos nos colégios americanos. E olha que os malucos costumam disparar os primeiros tiros na internet! Ainda assim, Roseana Sarney talvez devesse reivindicar em Washington o acesso aos grampeamentos feitos nos celulares que funcionam dentro do presídio de Pedrinhas. Com sorte, o Maranhão pode evitar algumas decapitações.

Roseana precisa correr. Na reforma da NSA, informa Obama, será reduzido o volume de dados coletados por meio da bisbilhotagem de telefonemas nos EUA e no exterior. Por enquanto, as (poucas) informações coletadas continuarão armazenadas na NSA. Mas o acesso será mais restrito. Palavra da Casa Branca.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.