‘Morte do cinegrafista estimula debate sobre ajustes na lei', afirma Grella
Secretários estaduais de segurança de todo o país estão reunidos em Aracaju. Aberto na noite desta quinta-feira (13), o encontro vai durar até sexta (14). O principal tema da pauta é o combate à violência nas manifestações de rua. Interessado na matéria, o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) também foi à capital sergipana.
O blog conversou com Fernando Grella, secretário da Segurança Pública de São Paulo. Ele contou que defenderá no encontro ajustes na legislação. "A nossa ferramenta principal é a lei. E a lei precisa refletir os valores da sociedade atual. Hoje, há um vazio, há um descompasso entre o que acontece nas ruas e o que está previsto na legislação."
Para Grella, a morte do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, potencializou o tema. "A morte dele foi uma tragédia. Até por isso, teve esse efeito. Estimulou a reflexão e o debate sobre os ajustes que precisamos promover." Vai abaixo a conversa:
— O problema da violência em manifestações públicas será debatido nesse encontro de secretários estaduais de segurança? Sim, esse tema das manifestações está na pauta. O Ministro da Justiça vai estar presente. O objetivo é extrair posições conjuntas do colegiado sobre essa situação.
— Que propostas São Paulo defenderá? Nosso principal problema é a inadequação da legislação. É preciso aperfeiçoar a lei. As penas são muito brandas. Esses danos ao patrimônio público, por exemplo, têm penas de seis meses a três anos de detenção. Isso não comporta a prisão. Temos muitos inquéritos em que a conduta foi individualizada. Mas a pessoa não vai sofrer maiores consequências. Não teremos como chegar à pena privativa de liberdade. Quando muito, o juiz poderá impor uma restrição de direitos.
— O que precisa mudar? É preciso ajustar as penas à gravidade dos últimos acontecimentos. O dano qualificado está tipificado no Código Penal. Mas, como eu disse, prevê penas de seis meses a três anos. Isso faz sentido para situações individuais, em que a pessoa destroi um bem de outra por motivação exclusivamente pessoal. A realidade que vivemos hoje é muito diferente disso. O dano provocado no contexto do exercício do direito de manifestação tem uma gravidade muito maior.
— Por quê? Porque expõe a risco os manifestantes, que estão ali para se manifestar ordeiramente, pacificamente. Além disso, causa prejuízos ao patrimônio público e privado. E afeta sobremaneira a ordem pública e a paz social. Então, acho que há uma defasagem clara do nosso Código Penal, que é de 1940, em relação à realidade de hoje.
— Concorda, então, com o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, que levou ao Congresso uma proposta de ajuste da legislação? No final de outubro do ano passado, eu e o secretário Beltrame levamos nossas propostas para o ministro da Justiça Ministério da Justiça. O Beltrame voltou a apresentar no Congresso. O escopo das nossas propostas é o mesmo.
— E qual é esse escopo? O que o Beltrame quer nós também queremos em São Paulo. O que nos falta é uma legislação compatível com a nova realidade. Uma lei que reforce o direito de manifestação, mas, ao mesmo tempo, que iniba esses atos que agridem o direito de manifestação, destroem o patrimonio público e privado, além de atentar contra a integridade física das pessoas. É isso o que eu e o Beltrame defendemos ao pretender a criação de um tipo pena especial que trate da ofensa à ordem pública, agrave as penas, proíba o uso de mascara… Nós estamos plenamente de acordo com o Beltrame. Fizemos propostas diferentes, mas que têm o mesmo escopo. Nós defendemos a criação de um tipo de penal de dano qualificado especial, que é o dano praticado no contexto de manifestação ou evento público.
— Acha que as penas deveriam ser agravadas em que proporção? Em vez de seis meses a três anos de detenção, o dano qualificado especial seria punido com prisão de quatro a oito anos de reclusão, porque aí já comporta a prisão preventiva e a imposição de consequências mais sérias. Além disso, estamos propondo outra medida que reputamos fundamental, que é agravar a pena de homicídio e lesão corporal cometida contra o policial.
— Por que razão o assassinato ou a agressão cometida contra um policial deve ser punida mais severamente? O policial representa o Estado e a sociedade. Um crime cometido contra o Estado não é o mesmo que um crime cometido contra o cidadão. Se nós exigimos de um policial que ele cumpra a lei, que não cometa abusos, se nós apuramos e punimos, como temos feito, é razoável darmos uma contrapartida a ele. Precisamos mostrar ao policial que o valorizamos, que o crime cometido contra ele tem um ônus maior do que o crime cometido contra nós. Quando praticado contra o policial, o crime envolve uma ofensa de gravidade social maior.
— Sugere elevar as penas para quanto? Hoje, as penas para o homicídio qualificado variam de 12 anos a 20 anos de detenção. No homicídio simples, a pena começa com seis anos. Achamos que todos esses prazos devem ser agravados em um terço. O mesmo em relação à lesão corporal, cujas penas variam conforme o tipo de lesão: leve, grave ou gravíssima.
— Partindo da sua tese de que o policial é um agente do Estado, não acha que seria razoável também agravar as penas dos policiais que matam ou agridem? Se eles representam o Estado, devem ser os primeiros a observar as leis, não acha? Com certeza. Mas já existe a lei de tortura e a lei de abuso de poder. Pode verificar que as penas não são brandas. Se for o caso, que se agrave a pena do crime cometido pelo policial, mas é preciso demonstrar para esses servidores públicos que os crimes cometidos contra ele têm um ônus maior para quem os comete. Isso o valorizaria, mostraria para ele que o tabalho policial tem um valor social.
— A mudança da lei é a priodidade de São Paulo? Sim. A nossa principal ferramenta é a lei. No cumprimento do seu dever, a polícia segue a Constituição e as leis. Então, ela tem que sinalizar para o policial que ele não pode transgredi-la e que os crimes cometidos contra ele terão punições mais severas. Ao mesmo tempo, a lei tem de sinalizar para aqueles que são baderneiros e vândalos que, se eles cometerem ações que maculam o direito de manifestação, destroem o patrimônio e atentam contra a integridade física das pessoas, vão ser punidos severamente. Um dos pilares da democracia é a lei. Então, o país precisa de uma lei condizente com a nossa nova realidade.
— Acha que a morte do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, impulsionará as mudanças? A morte dele foi uma tragédia. Até por isso, teve esse efeito. Estimulou a reflexão e o debate sobre os ajustes que precisamos promover. Cabe ao Congresso Nacional liderar e sediar esse debate. O Parlamento é a casa onde o debate deve acontecer, da forma mais elevada possível, para que os vários aspectos e os valores sejam avaliados.
— Não receia que esse debate se confunda com o projeto que tipifica o crime de terrorismo, em discussão no Congresso? Não. O terrorismno tem uma outra conotação. São dimensões diferentes. Dá para separar uma coisa da outra.
— Acha que os ajustes na lei teriam de ser feitos antes da Copa? Tem que ser aprovado o quanto antes. É evidente que a Copa está aí e nos preocupa. Mas os ajustes precisam ser feitos logo, independentemente da Copa. A nossa ferramenta principal é a lei. E a lei precisa refletir os valores da sociedade atual. Hoje, há um vazio, há um descompasso entre o que acontece nas ruas e o que está previsto na legislação.
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