22% aprovam ou flertam com barbárie. Por quê?
Um bando de justiceiros só agride e assassina porque sabe que seu desprezo por certos seres humanos é compartilhado. A turma do 'mata e esfola' se sente implicitamente autorizada a matar e esfolar. A autorização chega de toda parte: o comerciante que encomenda a morte do pivete incômodo, o PM que fecha os olhos para a repressão clandestina por achar que a legal é insuficiente, o cidadão que acha que bandido tem que morrer mesmo para que ele possa desfrutar do seu patrimônio sossegado…
O Datafolha foi às ruas do Rio de Janeiro para saber o que o carioca acha de justiceiros como os que agem no bairro do Flamengo —aqueles que pegaram um jovem suspeito de praticar roubos, espancaram-no, deixaram-no nu, arrancaram-lhe um pedaço da orelha e prenderam-no a um poste pelo pescoço com uma tranca de bicicleta. A maioria (79%) reprovou a ação do grupo. Bom, muito bom, ótimo. Mas há 17% que aprovaram e 5% que não responderam. Juntando-se os que autorizam explicitamente a barbárie aos cúmplices silenciosos da prática chega-se ao índice de 22%.
Repetindo: 22% dos cariocas concedem ao grupo bem-nascido do Flamengo, composto por jovens de classe média, procuração para praticar atos bárbaros contra supostos delinquentes. O apoio é expressivo entre os cariocas mais escolarizados (20%) e endinheirados (24%). Curioso, muito curioso, curiosíssimo. Por quê? Simples. Para essa gente, um pedaço da população é lixo. Ou por outra: é sub-lixo. Sim, porque o lixo ainda pode ser reciclado.
Na visão dos apologistas da máxima bíblica do 'olho por olho, dente por dente', a violência é algo tão terrível, tão revoltante que deve ser imposta a quem a pratica. O paradoxo talvez fosse compreensível se a punição à margem da lei tivesse efeitos dissuasivos —ah, vamos acorrentar o ladrão ao poste para que outros ladrões pensem dez vezes antes de assaltar. Ou: vamos matar assassinos para que outros assassinos reflitam antes de matar.
O diabo é que está estatisticamente provado que nem a pena de morte, nos países em que foi adotada, teve efeitos sobre os índices de criminalidade. Assim, não resta aos justiceiros e aos seus apoiadores senão o gostinho da vingança. O sujeito vai à escola, chega à universidade, ganha cultura, ascende socialmente… tudo isso para depois descobrir que sua alma continua aprisionada na Idade Média. Há mesmo lixo demais no mundo. Ou sub-lixo. Irreciclável. Mas ilustrado.
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