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Josias de Souza

22% aprovam ou flertam com barbárie. Por quê?

Josias de Souza

15/02/2014 19h54

Facebook/Reprodução

Um bando de justiceiros só agride e assassina porque sabe que seu desprezo por certos seres humanos é compartilhado. A turma do 'mata e esfola' se sente implicitamente autorizada a matar e esfolar. A autorização chega de toda parte: o comerciante que encomenda a morte do pivete incômodo, o PM que fecha os olhos para a repressão clandestina por achar que a legal é insuficiente, o cidadão que acha que bandido tem que morrer mesmo para que ele possa desfrutar do seu patrimônio sossegado…

O Datafolha foi às ruas do Rio de Janeiro para saber o que o carioca acha de justiceiros como os que agem no bairro do Flamengo —aqueles que pegaram um jovem suspeito de praticar roubos, espancaram-no, deixaram-no nu, arrancaram-lhe um pedaço da orelha e prenderam-no a um poste pelo pescoço com uma tranca de bicicleta. A maioria (79%) reprovou a ação do grupo. Bom, muito bom, ótimo. Mas há 17% que aprovaram e 5% que não responderam. Juntando-se os que autorizam explicitamente a barbárie aos cúmplices silenciosos da prática chega-se ao índice de 22%.

Repetindo: 22% dos cariocas concedem ao grupo bem-nascido do Flamengo, composto por jovens de classe média, procuração para praticar atos bárbaros contra supostos delinquentes. O apoio é expressivo entre os cariocas mais escolarizados (20%) e endinheirados (24%). Curioso, muito curioso, curiosíssimo. Por quê? Simples. Para essa gente, um pedaço da população é lixo. Ou por outra: é sub-lixo. Sim, porque o lixo ainda pode ser reciclado.

Na visão dos apologistas da máxima bíblica do 'olho por olho, dente por dente', a violência é algo tão terrível, tão revoltante que deve ser imposta a quem a pratica. O paradoxo talvez fosse compreensível se a punição à margem da lei tivesse efeitos dissuasivos —ah, vamos acorrentar o ladrão ao poste para que outros ladrões pensem dez vezes antes de assaltar. Ou: vamos matar assassinos para que outros assassinos reflitam antes de matar.

O diabo é que está estatisticamente provado que nem a pena de morte, nos países em que foi adotada, teve efeitos sobre os índices de criminalidade. Assim, não resta aos justiceiros e aos seus apoiadores senão o gostinho da vingança. O sujeito vai à escola, chega à universidade, ganha cultura, ascende socialmente… tudo isso para depois descobrir que sua alma continua aprisionada na Idade Média. Há mesmo lixo demais no mundo. Ou sub-lixo. Irreciclável. Mas ilustrado.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.