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Josias de Souza

Dilma acusa a oposição de torcer por 'racionamento' para socorrer Alckmin

Josias de Souza

19/02/2014 05h41

"Mesmo que não caia uma gota de chuva até o final do ano, não haverá racionamento de energia em 2014". A frase é de Dilma Rousseff. Foi pronunciada  nesta terça-feira (18). A presidente estava nas nuvens. A bordo do avião presidencial, ela voava de Brasília para Teresina, no Piauí. Para matar o tempo, conversava com um grupo de políticos e ministros.

A certa altura, Dilma mostrou-se incomodada com o noticiário, apinhado de menções ao risco de racionamento de energia elétrica no país. Além de negar peremptoriamente a hipótese de vir a adotar a providência, ela atribuiu a pregação ao que chamou de "torcida da oposição e da mídia". Coisa destinada a socorrer politicamente o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin.

Para a presidente, o único racionamento que é certo como o nascer do sol a cada manhã é o de água em São Paulo, não o de energia elétrica. Daí, segundo ela, a vela acesa nas manchetes e a reza da oposição para que o Planalto seja forçado a racionar energia, evitando que o Palácio dos Bandeirantes se exponha sozinho às criticas e à irrisão de todos.

Ouviram as palavras de Dilma seis políticos. Nenhum deles se animou a contestá-la. Participaram da conversa no avião presidencial dois ministros: Aguinaldo Ribeiro (Cidades) e Pepe Vargas (Desenvolvimento Agrário). Lá estavam também quatro senadores: o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e os três membros da bancada do Piauí: Ciro Nogueira (PP), Wellington Dias (PT) e João Vicente Claudino (PTB).

Na última sexta-feira (14), num discurso para empresários, em Belo Horizonte, o presidenciável tucano Aécio Neves dissera que, na prática, o Brasil já raciona energia. "Já está havendo racionamento através do aumento do preço de energia, que mais do que dobrou na última semana", afirmou, referindo-se ao valor que as distribuidoras pagam pelo quilowatt no mercado livre.

Sem mencionar Aécio, Dilma também afirmou que, na prática, São Paulo já raciona água. Uma alusão à estratégia do governo paulista de estimular a economia oferecendo descontos na conta dos consumidores que moderarem a vazão de suas torneiras. Lero vai, lero vem, a presidente fez um vaticínio encharcado de mau agouro: na região de Campinas, disse ela, o sistema de fornecimento de água entrará em "colapso".

Curiosamente, enquanto Dilma viajava para o Piauí, Alckmin participava de um evento da Sabesp, a companhia de abastecimento de água de São Paulo. No encontro que manteve com os gavadores e as câmeras, o governador descartou a hipótese de racionamento de água no sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de 47% da região metropolitana de São Paulo.

"Hoje, está totalmente descartada essa situação. Entendo que a colaboração da população é crescente, declarou Alckmin, como que pressentindo na orelha quente o que Dilma falara dele nas alturas.

Antes de pousar em Teresina, Dilma ainda teve tempo de puxar conversa sobre algo que ocorreria à noite no Congresso. Reunidos em sessão conjunta, deputados e senadores analisariam quatro vetos presidenciais. Entre eles o veto de Dilma à íntegra do projeto que disciplinava a criação de novos municípios.

Avessa à ideia de criar novas cidades, Dilma dessa vez utilizou São Paulo como contraponto positivo. Disse aos quatro senadores que a ouviam que uma das razões da pujança do Estado é o fato de a maioria de seus municípios ser de porte médio. Para ela, cidades pequenas são financeiramente inviáveis e tendem a puxar para baixo o desenvolvimento dos Estados.

Numa evidência de que Dilma anda muito impopular no seu próprio condomínio, um dos seus caronas, o petista Wellington Dias, animou-se a defender o projeto que a presidente vetara. Destacados para tentar evitar a derrubada do veto, os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais) confirmaram ao longo do dia que a votação ganhara a forma de uma derrota esperando para acontecer.

Com o auxílio de Renan Calheiros, o governo organizou a retirada de sua infantaria de senadores do plenário. Por falta de quorum, a sessão foi suspensa. E o Planalto ganhou tempo para tentar por em pé uma proposta alternativa. De concreto, por ora, apenas as evidências de que a coordenação política do governo continua infinitamente descoordenada.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.