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Josias de Souza

Aniversário do Real virou festa partidária. Pena!

Josias de Souza

25/02/2014 18h06

Na festa do Real, FHC olha para 2014: 'Está na hora, o Brasil está precisando de sangue novo'

Sempre que alguém diz que o Brasil está dando certo é preciso combinar o que é 'dar certo'. Para chegar a algum tipo de acordo, a primeira condição é falar a mesma língua. O problema é que, escolhidos os índices e definidos os critérios, o país costuma se dar conta de que sua maior crise é de semântica. "Certo" se mede no número de automóveis em circulação ou na quantidade de horas perdidas no trânsito? Os protestos de rua são provas de que a democracia brasileira deu certo ou são evidências de um país que dá cada vez mais errado?

Num cenário assim, tão volúvel e controverso, a mania do ser humano de dividir a história em eras é muito útil. Ajuda a organizar a caminhada. Caminha-se para a frente sem perder a compreensão do que ficou para trás. Há duas décadas, quando foi lançado o Plano Real, ninguém gritou 'Oba, começou a estabilidade da moeda'. Hoje, o Real é uma dessas raras iniciativas que a posteridade, seletiva senhora, cuida de classificar como algo que deu certo. E ninguém ousa questionar. Sob pena de passar por idiota.

Nesta terça-feira (25), o aniversário de 20 anos do Plano Real foi festejado no Congresso Nacional. Bom, muito bom, ótimo. Um detalhe, porém, estragou a festa. Urdida pelo senador Aécio Neves com propósitos eleitorais, a coisa virou uma celebração partidária. O Real merecia mais. Ao discursar, Aécio pareceu mais preocupado em espinafrar o PT do que em cultuar a moeda. A ocasião exigia mais grandeza.

Quatro sucessões presidenciais depois de ter deixado o Planalto, FHC foi resgatado do "exílio" político que o próprio PSDB lhe havia imposto. Guindado merecidamente à condição de protagonista da festa, o ex-presidente, merecedor de todas as reverências, também cometeu o equívoco de injetar 2014 no pronunciamento feito em plenário: "Está na hora, o Brasil está precisando de ar novo, sangue novo." Mesmo quem enxerga benefícios na alternância do poder -em Brasília ou em São Paulo- talvez preferisse ouvir de FHC outro discurso. O momento reclamava uma grandeza apartidária.

Ausente do plenário, o PT respondeu à festa com artilharia retórica. Por que os sábios da política brasileira não conseguem celebrar sem maniqueísmos as poucas coisas que deram certo no país? Daqui a 20 anos saberemos. Ou talvez não.

Em tempo: Vai abaixo um vídeo veiculado aqui em abril de 2013. Ajuda a entender por que o Real merecia uma festa mais, digamos, plural.

 

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.