Holanda deve colaborar com Brasil em investigação sobre Petrobras, diz CGU
Em encontros mantidos em Paris ao longo desta semana, um representante da Controladoria Geral da União negociou com procuradores da Holanda o compartilhamento de informações sobre o escândalo de corrupção que envolve negócios da holandesa SBM Offshore com corporações de sete países, entre elas a estatal brasileira Petrobras. "Há uma disposição muito grande dos procuradores holandeses no sentido de concordar com a cooperação internacional que nós pedimos", disse o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, em entrevista ao blog.
Hage tomou conhecimento do caso por meio de um e-mail enviado à CGU em 12 de fevereiro por um site noticioso britânico, o Global Investigations Review. O texto continha link para um documento escrito supostamente por um ex-funcionário da SBM Offshore e veiculado na Wikipedia. Está disponível aqui, infelizmente em inglês. A peça traz detalhes de auditoria interna da SBM. Relata o pagamento de propinas, entre 2006 e 2011, em sete países: Guiné Equatorial, Angola, Malásia, Itália, Cazaquistão, Iraque e Brasil. Coisa de US$ 275 milhões.
Desse total, informa o documento, US$ 139,2 milhões teriam sido usados no pagamento de propinas a funcionários da Petrobras, que aluga da SBM Offshore plataformas petrolíferas usadas na extração de óleo no fundo do mar. A denúncia apresenta o empresário Julio Faerman, que tinha trânsito livre na Petrobras, como intermediário dos supostos pagamentos feitos por baixo da mesa.
Jorge Hage conta que, ao tomar conhecimento da encrenca, tocou o telefone para Graça Foster, presidente da Petrobras. "Indaguei se já estava tomando alguma providência. Ela me disse que sim, que estava instalando uma comissão para investigar." O ministro conversou também com o colega da Justiça, José Eduardo Cardozo. Pediu que fosse formalizado um pedido de cooperação com o governo da Holanda. Foi atendido.
Nesta semana, em viagem que já estava agendada, um representante da CGU foi a Paris para participar de encontro na OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Por determinação de Hage, o servidor aproveitou para conversar com procuradores da Holanda, que participaram do mesmo encontro. Eles informaram que aguardam a conclusão da auditoria da SBM para decidir sobre a abertura de uma investigação formal.
A equipe da CGU fez contatos também com autoridades do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e da SEC, a Securities and Exchange Commission, órgão responsável por regular e fiscalizar o mercado de capitais americano. A holandesa SBM Offshore negocia ações na Bolsa de Nova York. Por isso, deve ser investigada também nos Estados Unidos. Nos próximos dias, informou Jorge Hage, a CGU enviará uma servidora a Washington para pavimentar um acordo de cooperação. Vai abaixo a conversa que o blog manteve com o chefe da CGU na noite passada:
— O que a CGU está fazendo para apurar o suposto pagamento de propina na Petrobras? Estamos trabalhando em duas frentes, uma interna e outra internacional. Na interna, mantive entendimento com a presidente Graça Foster, da Petrobras, no primeiro dia que tomei conhecimento da denúncia, por meio de um site internacional Global Investigations Review
— Quando foi? Em 12 de fevereiro, oficiei à presidente Graça Foster, depois de conversar com ela pelo telefone.
— O que pediu a Graça Foster? Indaguei se já estava tomando alguma providência. Ela me disse que sim, que estava instalando uma comissão para investigar. Perguntei o prazo que ela estimava para a conclusão. Ela me disse que seriam uns 30 dias. Decidi aguardar, claro, a investigação da Petrobras.
— Já deve estar quase concluída, não? Falei com a presidente Graça Foster há poucos dias. Ela me disse que, com mais dez dias estará concluído. Eu estimo, com os atrasos normais, que teremos o resultado da investigação da Petrobras em, no máximo, umas duas semanas. É um prazo razoabilíssimo para uma ivestigação dessa monta. Quando recebermos, veremos quais serão os desdobramentos cabíveis. Pedi à presidente Graça Foster que me mandasse todos os contratos da Petrobras com a SBM Offshore. Ela mandou e eu já recebi. Estão sendo analisados pela nossa equipe.
— E quanto ao pedaço internacional da investigação, o que foi feito? Tínhamos uma pessoa nossa que já estava de viagem marcada para Paris. Foi participar de um encontro da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Pedi a essa pessoa para estabecer um contato com o pessoal da Holanda [país onde está sediada a SBM Offshore], que participou do mesmo encontro. Foi um desdobramento da negociação aberta, a nosso pedido, pelo ministro José Eduardo Cardozo [Justiça], para viabilizar um pedido de cooperação internacional.
— Quando o senhor acionou o ministro Cardozo? Foi em 28 de fevereiro. Ele, imediatamente, providenciou para que o pedido fosse encaminhado. Manteve inclusive entendimentos telefônicos com o ministro da Justiça holandês.
— Em Paris, os contatos do representante da CGU produziram resultados? Durante a reunião da OCDE, ele se encontrou com procuradores da Holanda. Conversaram durante toda esta semana. E já obtivemos algumas informações sobre o que provavelmente poderá ser feito pela Holanda em relação ao nosso pedido de cooperação.
— Há uma investigação aberta na Holanda? Até ontem [quinta-feira], eles não tinham instaurado nenhuma insvestigação no Ministério da Justiça e no Ministério Público de lá. O que há é o seguinte: eles receberam uma comunicação da empresa SBM Offshore sobre uma investigação interna. E estavam aguardando o recebimento das conclusões dessa investigação interna da SBM. Há uma predisposição de abrir uma investigação formal.
— O servidor da CGU que foi a Paris conversou com autoridades do Ministério da Justiça da Holanda ou com representantes do Ministério Público? Lá, a organização institucional não é a mesma que temos aqui. As atribuições do Ministério Público e do Ministério da Justiça se confundem. Mas nosso representante conversou com procuradores da Holanda.
— Eles admitiram a hipótese de compartilhar informações com o Brasil? Os procuradores holandeses disseram o seguinte: não tem ainda uma investigação oficial. Estão aguardando a conclusão da investigação interna da SBM. Há citações de vários países, alguns africanos, a Itália… É preciso ver o que há em relação ao Brasil. Isso está ainda nebuloso. Em termos concretos, há uma disposição muito grande dos procuradores holandeses no sentido de concordar com a cooperação internacional que nós pedimos.
— Como vai se dar essa cooperação? Como não tem ainda uma investigação oficial instaurada, não há, de imediato, nada que nos possa ser dado em termos de compartilhamento de informações. É isso o que a gente está pedindo. Mas há, efetivamente, uma perspectiva de ter informação, porque eles estão propensos a instaurar o procedimento invesstigatório.
— Brasil e Holanda têm algum tratado de cooperação? Há um tratado da década de 60, coisa muito antiga. Mas prevê apenas a cooperação em relação a processos criminais. Não há uma tradição de cooperação internacional para fins de processos administraticos, como neste caso que estamos tratando agora. Toda a tradição é para processos criminais, para os quais a cooperação já se tornou uma rotina. Não é o que ocorre para as apurações nas esferas administrativa e cívil. Isso não está previsto no tratado que temos com a Holanda.
— O que fazer? Temos, no âmbito da OCDE, uma convenção internacional de combate ao suborno transnacional. Temos também, na ONU, uma convenção de combate à corrupção num sentido mais amplo. Essas convenções prevêem também a cooperação em outras esferas que não a criminal. E tanto o Brasil como a Holanda são signatários de ambas as convenções. Há, portanto, uma forte possibilidade de que eles venham a cooperar conosco.
— O pedaço internacional da ação da CGU se restringe à Holanda? Não. Mandei fazer a mesma coisa em relação aos Estados Unidos. Nosso pessoal já entrou em contato com um representante do Departamento de Justiça americano e com uma pessoa da SEC [Securities and Exchange Commission, responsável pela regulação e fiscalização do mercado de capitais americano]. Esses entendimentos foram estabelecidos. E nesta próxima semana, estou mandando uma técnica nossa a Washington, para desdobrar essas conversas.
— A investigação está mais avançada nos EUA? Pelas informações preliminares que obtivemos, o quadro é semelhante ao da Holanda. Eles não têm ainda um processo instaurado, mas estão cogitando instaurar. A SBM Offshore não fez negócios por lá. Porém, a empresa holandesa tem ações na Bolsa de Nova York. E basta isso para que fique sujeita à legislação americana.
— Pelo que o senhor diz, está tudo num estágio muito preliminar. Estamos dando um tiro no escuro? Seja como for, um assunto como esses nós não podemos deixar de averiguar.
— A fiscalização da Petrobras está entre as atribuições da CGU? Sim. A diferença que existe é que, quando se trata de uma estatal como a Petrobras ou o Banco do Brasil, nós não temos uma ação direta como temos no dia a dia dos ministérios e dos órgãos da administração direta. Com a Petrobras e instituições como o Banco do Brasil, operamos, primeiro, por intermédio das auditorias internas deles. Podemos requerer e avaliar os resultados. Eles têm auditorias portentosas, com muito mais gente e recursos do que tenho aqui para cuidar do governo todo. Outra coisa: atuamos lá nas auditorias pontuais ordinárias de gestão, que fazemos segundo os padrões e as orientações do Tribunal de Contas da União. Como não temos como auditar todos os contratos de uma empresa do tamanho da Petrobras, escolhemos alguns por amostragem. O que é, obviamente, muito pouco. Mas o principal é que nós podemos atuar mediante denúncia, como neste caso da SBM Offshore, que chegou ao nosso pessoal por meio desse site estrangeiro.
— A Câmara acaba de criar uma comissão externa para investigar essas suspeitas de pagamento de propina na Petrobras. A CGU pode compartilhar os dados que vai receber com os deputados? Vai depender das regra de sigilo e de reserva vigentes na cooperação internacional que iremos estabelecer. Depende das convenções e da legislação dos países que irão cooperar conosco. Todo o regramento dependerá disso, podemos ceder ou não.
— Os deputados pretendem viajar à Holanda. Acha útil? A minha primeria impressão é a de que essa comissão pode não acrescentar muita coisa indo à Holanda. Não é uma coisa que você possa dizer assim: 'eu vim aqui pedir as informações que vocês têm'. Existe todo um regramento. É algo complexo, não é trivial. Tem todo um protocolo para que a informação disponível no exterior seja compartilhada.
— Outro assunto: a Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara aprovou requerimento convocando o senhor a prestar esclarecimentos na Câmara. O senhor atenderá à convocação? Irei com a maior satisfação e tranquilidade. Como já fui em várias outras oportunidades. Não será a primeira nem a última vez. Já fui inclusive, mais de uma vez, falar sobre esse mesmo tema: convênios com ONGs. Já estive nesta mesma comissão da Câmara, para falar justamente sobre ONGs no Ministério do Trabalho, que parece ser o foco agora. Há alguns anos, estive também na CPI das ONGs, no Senado. Falei tudo sobre ONGs. Não é novidade. Não tenho nenhuma dificuldade em atender. Faz parte da democracia.
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