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Josias de Souza

Pasadena: na Câmara, Graça Foster omitiu o aval de Dilma e protegeu Cerveró

Josias de Souza

23/03/2014 19h37

Dia: 22 de maio de 2013. Local: plenário da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. Horário: 10h22. Assunto: audiência pública com a presidente da Petrobras, Graça Foster, sobre o desempenho da companhia e a compra da refinaria de Pasadena, no Estado americano do Texas.

Os deputados crivaram Graça Foster de perguntas durante cinco horas e doze minutos. A ata com a transcrição do debate, disponível aqui, tem 112 folhas. Lendo-a, percebe-se: 1) para justificar a compra, Graça alegou que a conjuntura de 2006 era favorável; 2) para preservar Dilma Rousseff, ela desconversou ao ser perguntada se algum membro do Conselho da Petrobras contestara o negócio; 3) para justificar a transferência de Nestor Cerveró da Diretoria Internacional da estatal para a BR Distribuidora, alegou que ele "tem o desempenho adequado."

Decorridos dez meses desse depoimento, os danos que a presidente da Petrobras tentou evitar foram materializados numa nota divulgada por Dilma na última quarta-feira (19). Agora, Pasadena está de volta às manchetes como um negócio ruinoso, Dilma rebola para explicar por que avalizou a aquisição e Nestor Cerveró foi demitido da Diretoria Financeira da BR Distribuidora na sexta-feira (21).

O deputado Antonio Imbassahy (BA), hoje líder do PSDB na Câmara, teve de insistir três vezes para arrancar de Graça Foster uma resposta para uma pergunta simples. Em meio a várias indagações, ele quis saber: na reunião em que o Conselho de Administração da Petrobras aprovou a compra da refinaria, em 3 de fevereiro de 2006, algum membro do colegiado contestou ou fez restrições à transação?

Nessa época, Dilma era chefe da Casa Civil de Lula e presidia o conselho da estatal petroleira. Graças à nota que divulgou há quatro dias, hoje todo mundo sabe que ela compôs a unanimidade que se formou entre os conselheiros da Petrobras a favor da compra da refinaria. Alega que se baseou em "informações incompletas" expostas num parecer "técnica e juridicamente falho". Sustenta que o autor do documento, Nestor Cerveró, omitiu cláusulas contratuais que, se conhecidas na época, teriam sido rechaçadas.

Ante a insistência de Imbassahy, Graça Foster recorreu à desconversa: "na época dessa discussão de Pasadena, eu estava presidindo a BR Distribuidora", ela disse. "Eu tenho muito poucas lembranças sobre essa discussão naquele momento, mas existiram fortes discussões, sim, em relação à aquisição de Pasadena. E Pasadena é motivo sempre de discussões."

— Com respeito ao Conselho de Administração, durante a reunião, houve alguma contestação?, repisou o deputado Imbassahy.

—Eu não participava do Conselho de Administração, escorregou Graça Foster

— Mas a senhora não tem nenhuma notícia sobre isso?

— Eu disse aos senhores que existem muitas discussões. […] A preparação para uma reunião do Conselho de Administração é algo que toma semanas de discussão. Treinamos bastante para irmos ao Conselho.

De fato, Graça Foster presidia a subsidiária BR Distribuidora quando a refinaria foi comprada, em 2006. Mas ela assumira a presidência da Petrobras em fevereiro de 2012. Quando falou aos deputados, estava no comando havia um ano e três meses. Conhecia todos os meandros da encrenca de Pasadena. Acabara de excluir a refinaria do Texas do programa de desmobilização de ativos da estatal. Queria vender. Mas não achou quem quisesse pagar algo ao menos próximo do US$ 1,2 bilhão que a Petrobras enterrara no empreendimento.

Depois que GRaça Foster se esquivou das indagações sobre a reunião do conselho, o deputado Doutor Ubiali (PSB-SP) recordou a ela que uma de suas perguntas também ficara sem resposta. Referia-se a Nestor Cerveró, cuja atuação já despertava dúvidas. O deputado queria saber por que Cerveró fora aproveitado na BR Distribuidora após ser afastado da diretoria Internacional da Petrobras.

Cerveró migrara para a BR em março de 2008, quando a subsidiária era comandada por Graça Foster. Na Câmara, ela defendeu o agora ex-diretor. Tentou atribuir a sobrevivência dele no cargo até aquele dia 22 de maio de 2013 à confiança que o novo comando da BR depositava nele. Mas foi compelida a reconhecer que, como presidente da Petrobras, a BR também está sob seus cuidados. Eis o que disse Graça Foster:

"Bom, a BR tem um presidente, que mantém o diretor Nestor por entender que ele tem o desempenho adequado. Isso eu creio, porque eu, como presidenta da Perobras, tenho o dever de cuidar da BR como um todo, porque ela é uma empresa ligada à presidente, ligada ao Conselho de Administração. E eu tenho responsabilidades sobre ela. E sou Conselheira também da BR Distribuidora. E o resultado da BR Distribuidora é excepcional, uma empresa que tem tido um lucro líquido grandioso e é produto de vários profissionais que lá estão. Então, essa é uma pergunta muito importante. E fica mais bem qualificada se respondida pelo Presidente da BR Distribuidora."

Durante a audiência pública da Câmara, Graça Foster justificou a compra da refinaria invocando a conjuntra da época. "Quando nós fizemos a aquisição de Pasadena, encontrava-se o Brasil antes do pré-sal, com um consumo muito menor. E os Estados Unidos com um consumo absurdo, muito maior, em que todas as margens compensavam os investimentos." Alegou que a crise internacional de 2008 e a descoberta do pré-sal tornaram o negócio desinteressante.

Engenheira, Graça Foster rebateu as críticas com uma frase feita: "É muito mais fácil criticar uma obra feita […] do que construir uma nova obra. É a mesma coisa de uma casa. Você constrói uma casa, vai morar nela e pensa: por que não botei a cozinha para ali, por que não botei a sala para cá?" A certa altura, a mandachuva da Petrobras admitiu que a casa de Pasadena caiu.

"Quando eu olho para trás, com tudo o que aconteceu, com todas as divergências que aconteceram com todos os sócios, quando olho o que nós estamos construíndo no Brasil, fica muito fácil para mim — ainda que eu fosse, à época, presidente da BR Distribuidora — olhar para trás e falar: Hoje, não faria isso. Eu não faria porque estou vendo todo o passado. Então, esse é um ponto que precisa ser bastante bem colocado. Quando há o retrovisor, com tudo de bom e tudo de ruim, fica mais fácil colocar o que deveria ter sido feito e o que não deveria."

Editoria de Arte/Folha

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.