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Josias de Souza

PSDB, PSB e PT são cúmplices de motim da PM

Josias de Souza

19/04/2014 08h23

Chamar de greve o que a Polícia Militar realiza na Bahia é uma licenciosidade poética. No despacho em que decretou a prisão de Marco Prisco Caldas Machado (no vídeo), líder do movimento, o juiz Antonio Oswaldo Scarpa, da 17ª Vara Federal de Salvador, anotou: "A Constituição Federal veda expressamente a greve de policiais militares. E não poderia ser diferente, pois a hierarquia e a disciplina são as bases que sustentam as organizações militares. Quando ocorrem fissuras nesses pilares, o que se vê é a desordem, o caos".

Portanto, o que sucede na Bahia é uma afronta à lei e à ordem, praticada por uma tropa amotinada à margem da Constituição. Marco Prisco, o líder preso, é vereador pelo PSDB de Aécio Neves. Substituiu-o no papel de piromaníaco de tropa o Capitão Tadeu, deputado estadual pelo PSB de Eduardo Campos. A PM baiana promovera fuzarca semelhante em 2012. A tropa reincide no descalabro porque foi premiada com uma lei de anistia aprovada em votação simbólica no Congresso e sancionada por Dilma Rousseff, do PT, em 2 de agosto de 2013.

Quer dizer: por omissão ou por ação os partidos dos três principais candidatos à Presidência da República são cúmplices do caos baiano. O motim de 2012 durou 12 dias. Nesse período, foram assassinadas 130 pessoas no Estado. A encrenca atual se arrasta há quatro dias. Só em Salvador, desceram à cova, por ora, 52 cadáveres.

Deveria ser suficiente para que Aécio e Campos desautorizassem seus correligionários de quartel. Quanto a Dilma, como não pode cuspir na anistia que sancionou, talvez devesse considerar a hipótese de pronunciar alguma coisa parecida com um pedido de desculpas. Um beliscão nas orelhas do governador petista Jaques Wagner também não seria má ideia.

Deve-se ao Ministério Público Federal o pedido que resultou no envio de Marco Prisco à penitenciária brasiliense da Papuda (enfim, um tucano dividindo o mesmo teto com o petista José Dirceu!). A petição da Procuradoria foi à mesa do juiz na última segunda-feira (14). O doutor mandou encarcerar Prisco no dia seguinte, horas antes da assembleia que aprovou o motim. Só neste sábado (18) a Polícia Federal foi a campo para executar a ordem.

O masgitrado Antonio Scarpa fixou a cana do amotinado Prisco em 90 dias. Considerou-o uma ameaça. Recordou que Prisco responde na sua jurisdição por "crimes contra a segurança nacional e a paz social." Coisas do motim de 2012. Munido de um "relatório de inteligência" da Secretaria de Segurança da Bahia, o juiz concluiu que 2014 poderia repetir 2012.

O doutor fez questão de recordar o que se passou dois anos atrás: "…invasão e ocupação de quartéis e do prédio da Assembléia Legislativa da Bahia, depredação e incêndio de veículos, interdição de rodovias federais que passam pelo Estado, bem como de ruas e avenidas da capital. Motoristas de ônibus foram obrigados por encapuzados armados, supostamente policiais, a atravessarem os veículos em avenidas para obstruir o tráfego, o que causou pânico e imensos congestionamentos."

Mais: "em razão da paralisação dos serviços policiais, houve arrastões, saques, depredações e considerável incremento de homicídios. […] Foi necessária a mobilização das Forças Armadas e Força de Segurança Nacional para garantir a paz pública e prevenir maiores atentados ao regime democrático." Sobre o tucano Prisco, o juiz foi específico: "foi flagrado em escutas telefônicas incentivando condutas criminosas."

Tudo muito parecido com o que ocorre agora. Nada muito diferente do que ocorrera noutro motim mais antigo, ocorrido em 2001. A única diferença é que, naquela época, governava a Bahia César Borges, então filiado ao PFL. Integrava o grupo político de Antonio Carlos Magalhães. Enfrentava oposição renhida do PT. Inclusive do então deputado federal Jaques Wagner.

Nessa época, Lula era candidato a sucessor do tucano Fernando Henrique Cardoso. Em campanha na cidade gaúcha de Santa Maria, foi instado a comentar a greve dos policiais baianos. Responsabilizou o governador Cesar Borges pela desordem: "Acho que, no caso da Bahia, o próprio governo articulou os chamados arrastões para criar pânico na sociedade. O que o governo tentou vender? A impressão que passava era de que, se não houvesse policial na rua, todo o baiano era bandido. Não é verdade."

Lula foi além: "Os arrastões na Bahia me lembraram os que ocorreram no Rio em 92, quando a Benedita [da Silva] foi para o segundo turno [nas eleições para a prefeitura]. Você percebeu que na época terminaram as eleições e, com isso, acabaram os arrastões? Faz nove anos e nunca mais se falou isso."

Disse mais: "A Polícia Militar pode fazer greve. Minha tese é de que todas as categorias de trabalhadores que são consideradas atividades essenciais só podem ser proibidas de fazer greve se tiverem também salário essencial."

Traçou uma analogia entre o Brasil e a Suécia: "Se considero a atividade essencial, mas pago salário micho, esse cidadão tem direito a fazer greve. Na Suécia, até o Exército pode fazer greve fora da época de guerra."

Cesar Borges, o governador da época, respondeu assim: "Além de falar muita besteira, Lula demonstra que está completamente desinformado. Foram deputados petistas que insuflaram a greve e, depois, quando perceberam que o movimento estava fora de controle, procuraram o governo para abrir um canal de negociação."

Hoje, César Borges é filiado ao PR e comanda o Ministério dos Transportes de Dilma. E Lula assiste à autoridade do amigo Jaques Wagner sendo pisoteada por grevistas ilegais que reclamam de contracheques que ainda não são essenciais.

Num país em que os partidos políticos entregam a legenda a qualquer um, a presidente da República anistia maluco e governador rasga a Constituição para negociar com policiais à margem da lei, a prisão do tucano Prisco é um sopro na direção da restauração do Estado. Não há reivindicação, por mais justa que seja, que justifique a subversão da ordem democrática. Lugar de PM amotinado é mesmo na cadeia. Resta verificar se o xadrez de Prisco não vai virar mais uma capitulação.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.