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Josias de Souza

Planalto abandona manobra anti-CPI de Renan

Josias de Souza

25/04/2014 19h43

Depois do fracasso da manobra anti-CPI, ficou mais fácil encontrar no Palácio do Planalto uma girafa do que um admirador de Renan Calheiros. O governo culpou o presidente do Senado pelo malogro. E se reposicionou em cena depois da ordem da ministra Rosa Weber, do STF, para que seja instalada a CPI exclusiva da Petrobras. Renan ficou falando sozinho. Sua última manifestação, feita por meio de nota oficial, virou pó em menos de 24 horas.

Na nota, Renan escreveu que "a compreensível divergência acerca da amplitude das Comissões Parlamentares de Inquérito caracteriza uma situação inédita." Em conversa com o repórter, um ministro do STF afirmou que não enxerga no enrosco "nada de inédito, exceto a manobra anticonstitucional concebida para barrar uma CPI." Algo que, "inspirada na Constituição e no bom direito, a ministra Rosa tratou de corrigir."

Renan anotou que "os regimentos do Congresso Nacional, leis internas do Parlamento, são importantes instrumentos para elucidar a matéria." E o ministro do STF: "Não há regimento que se sobreponha à Constituição. Em relação às CPIs, o texto constitucional impõe três condições: apoio de uma minoria de um terço das Casas legislativas, especificação do fato a ser investigado e um prazo para a conclusão da investigação. Cumpridos tais pré-requisitos, não cabe senão instalar a CPI."

Renan sustentou em sua nota que "o regimento interno da Câmara dos Deputados explicita que, na ocorrência de requerimentos com objetos coincidentes, prevalecerá aquele de espectro mais abrangente. É uma premissa bastante sensata e que se aplica ao caso." O repórter ouviu na Câmara um bambambã em regimento. Ele esmigalhou o argumento de Renan.

O presidente do Senado escora seus argumentos no artigo 159 do regimento da Câmara. Prevê que certas proposições podem ter "preferência" sobre outras na hora de votar. No parágrafo 4º desse artigo, o texto disciplina a análise dos requerimentos apresentados em plenário. Estabelece: "quando os requerimentos […] forem idênticos em seus fins, serão postos em votação conjuntamente." E o requerimento "mais amplo" terá "preferência sobre o mais restrito". Donde, sustenta Renan, a CPI mais ampla teria "preferencia" sobre a CPI exclusiva da Petrobras. A tese é inepta e desonesta.

É inepta porque, segundo explicou o especialista em regimento, o artigo invocado por Renan não tem absolutamente nada a ver com as CPIs. É desonesta porque o senador sabe perfeitamente disso. Qual é, afinal, a serventia do trecho do regimento da Câmara pinçado por Renan? Vale a pena ouvir o técnico em regimento:

"Normalmente, a pauta de votações tem vários projetos. Por vezes, os parlamentares pedem para adiar a votação de determinada proposta. Não é incomum a apresentação de mais de um requerimento de adiamento. Suponha que um solicite o adiamento por duas sessões legislativas, outro por seis sessões e um terceiro reivindique adiar por dez sessões. É aí que entra o regimento: diante de requerimentos idênticos em seus fins, leva-se a voto aquele que for mais amplo, no caso o que prevê o adiamento por dez sessões. Por quê? Ele engloba os outros dois, que ficariam prejudicados."

Ouça-se mais um pouco do especialista: "Esse trecho do regimento não se aplica às CPIs porque requerimento de CPI é um direito constitucional da minoria. Não está sujeito ao crivo da maioria. Portanto, não vai a voto no plenário. Obtidos os pré-requisitos previstos na Constituição e repetidos no próprio regimento (apoio de um terço, fato determinado e prazo fixo para a investigação), basta ler o requerimento em plenário e tomar as providências para instalar a CPI."

Do meio para o final de sua nota, Renan escreveu: "Desde o primeiro momento, busco o entendimento sobre o alcance das CPIs, respeitando o sagrado direito da minoria." Lorota. Conforme demonstrou a ministra Rosa Weber, Renan fez exatamente o oposto. Ao condicionar o sagrado direito da minoria à aprovação da maioria, violou-o.

Num instante em que ainda não suspeitava que havia no Planalto mais girafas do que adminiradores da sua lealdade, Renan insistiu na fantasia que construiu para justificar a CPI gorda, com o metrô de São Paulo e o porto de Pernambuco. "Se fatos podem ser acrescidos durante a apuração, entende-se que muito mais eles são possíveis na criação da CPI."

Entre risos, o ministro do STF que conversou anonimamente com o repórter ironizou: "Outro dia um senador usou jato da FAB para se deslocar até uma clínica de implante de cabelos. Uma CPI que começasse pelo custo do combustível da aeronave poderia ter o objeto ampliado, por conexão, se fosse constatado que também os fios de cabelo implantados houvessem sido pagos com verba pública. Mas não seria razoável misturar uma investigação sobre avião da FAB com um cartel de metrô. O mais adequado é abrir outra CPI."

No arremate de sua nota, ainda sem enxergar o pescoço da girafa, Renan escreveu: "Diante da imperiosidade de pacificar o entendimento em torno da matéria, o Senado Federal recorrerá da liminar ao plenário do Supremo Tribunal Federal." E o ministro da Suprema Corte: "Por economia processual, o melhor seria não recorrer. Sobretudo quando a jurisprudência do Supremo já antecipa o resultado."

No esforço para agradar o governo e preservar seus interesses na Petrobras, Renan fez de Calheiros um personagem de anedota, comparável ao instrutor de paraquedismo da piada de português. Ante o risco de CPI, o senador orientou o governo a mergulhar de cabeça na sua estratégia. Assegurou que, puxando-se a primeira cordinha, o paraquedas se abriria. Na improvável hipótese de dar errado, bastaria ao puxar a segunda cordinha. E lá embaixo haveria um jipe à espera do paraquedista.

Bem orientado, o petismo puxou a cordinha da CPI combo. Nada. Com as bênçãos do palácio, o partido recorreu ao STF nas pegadas da oposição. Deu na decisão de Rosa Weber. Sozinho e em queda, Renan exclama: 'Ai, Jesus. Agora só falta o jipe não estar lá embaixo!'

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.