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Josias de Souza

PT edita discurso de Lula para tirar de propaganda o mensalão e a Petrobras

Josias de Souza

17/05/2014 04h25

 

O PT levou ao ar na noite de quinta-feira uma propaganda de dez minutos. Como de hábito, Lula foi a principal estrela. O marqueteiro João Santana enxertou na peça pedaços de um discurso de 37 minutos que Lula fizera em 2 de maio, no congresso partidário que aclamou Dilma Rousseff como recandidata. A edição foi caprichada. Separou-se um lote de meias verdades ditas por Lula. Depois, injetou-se na propaganda a metade que não combina com a realidade.

Recolheram-se frases de pontos distintos da fala de Lula para emendá-las no seguinte raciocínio: "Esse partido não nasceu para fazer tudo o que os outros fazem. E nós precisamos voltar a recuperar o orgulho que foi a razão da existência desse partido. Se alguém, dentre nós, cometer um erro tem que pagar pelo erro que cometeu. Nós criamos um partido político foi para ser diferente de tudo o que existia quando nós criamos esse partido. Esse partido nasceu para provar que é possível fazer política de forma mais digna, fazer política com 'P' maiúsculo."

Num dos trechos cortados, Lula ensaiara uma autocrítica. Ele evocara os tempos "difíceis" do PT, momentos em que o partido "às vezes não tinha panfleto para divulgar uma campanha." E reconhecera que a verba desvirtuara a legenda. "Hoje, parece que o dinheiro resolve tudo. Os candidatos a deputado não têm mais cabo eleitoral gratuito. É tudo uma máquina de fazer dinheiro, que está fazendo o partido ser um partido convencional."

Lula se referia ao deputado André Vargas quando disse que quem erra tem de pagar. Trata-se daquele deputado paranaense que manteve um relacionamento monetário com o doleiro preso Alberto Youssef. Moído pelo partido, Vargas deixou a vice-presidência da Câmara, desfiliou-se do PT e virou uma cassação esperando para acontecer na Câmara.

Quem assistiu apenas ao Lula da propaganda televisiva de quinta-feira ficou sem saber que o Lula do encontro com a militância, mais seletivo, acha que nem todo "erro" deve ser castigado. "Há um processo em andamento que chega a ser uma perseguição ao nosso partido", disse, noutro pedaço que o PT preferiu excluir de sua propaganda. "Parece que é uma coisa pessoal contra o José Dirceu, contra o José Genoino, contra o João Paulo, contra o Delúbio ou contra qualquer companheiro."

Na propaganda, um locutor declara a certa altura: "Nunca se combateu tanto a corrupção no Brasil, nunca tantas pessoas foram investigadas e julgadas. Nunca o Judiciário e a Polícia Federal foram tão independentes. Tudo isso é uma conquista da democracia, dos 11 anos de governos do PT…" As frases vão sendo despejadas contra um fundo que exibe arquivos velhos. As gavetas abrem. Ou fecham . E o locutor:"…Antes, quando eles governaram, sabe o que acontecia com as denúncias? Morriam esquecidas na gaveta. O que você prefere avançar no combate a corrupção ou voltar ao passado?"

Se o Lula de 2 de maio não tivesse sido tão editado, o telespectador notaria que há um terceiro caminho: a avacalhação. As gavetas da propaganda petista faziam alusão à Era FHC, quando dava as cartas na Procuradoria Geral da República Geraldo Brindeiro, el engavetador. A peça tenta mostrar que, hoje, tudo é bem diferente. Beleza. Com boa propaganda, pode-se vender qualquer coisa: de ovo sem casca à tese de que o PT é avesso à corrupção. Mas, para evitar a autodesmoralização, o PT cuidou de suprimir o naco do discurso em que Lula reduziu o mensalão a uma conspiração antipetista. A tese do complô joga no lixo todo o trabalho dos procuradores, dos ministros do STF e dos agentes federais que desvendaram os crimes.

"Penso que precisamos começar a nos preocupar, porque o problema não são apenas os companheiros que estão presos", disse Lula em mais um dos trechos que, por antipromocionais, o PT preferiu abafar. "O problema é que a perseguição é contra o nosso partido. A perseguição é porque eles não admitem, desde quando nós ganhamos as eleições de 2002, eles não admitem que a gente consiga provar que é possível fazer nesse país o que eles não fizeram durante tantas décadas."

"O dado concreto", prosseguiu o Lula vetado na propaganda, "é que, enquanto as pessoas se preocupam em todo dia tentar veicular uma notícia sobre os nossos companheiros do PT que estão presos, o mesalão mineiro [do PSDB], de fininho, voltou para Belo Horizonte. E ninguém comenta."

Por último, o PT achou melhor deixar de fora da propaganda as passagens do discurso em que Lula falou sobre Petrobras. O espectador poderia entendê-lo mal ao perceber que, também nesse caso, Lula desmerece o trabalho da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário. "Não é possível aceitar gratuitamente a tentativa da elite brasileira de destruir a imagem da empresa que durante tantos anos é motivo de orgulho do nosso povo, que é a Petrobras", disse o Lula cortado.

Também ficaram de fora coisas assim: "…Eu era presidente e, muitas vezes, nessas campanhas, sempre aparecia alguém com um bilhetinho dizendo que era preciso fazer uma CPI da Petrobras. Eu, às vezes, fico nervoso, não posso falar, porque eu não tenho imunidade. Mas a impressão que eu tenho é que tem gente querendo fazer caixa de campanha ameaçando em toda época de eleições a Petrobras." O PT fez bem em esconder mais esse trecho. Alguém poderia cobrar de Lula explicações sobre o modo como rateou o organograma da Petrobras entre seus patrióticos aliados.

Editar Lula deu algum trabalho. Mas valeu a pena. Em matéria de corrupção, o PT avalia que conseguiu demonstrar cabalmente que, nos seus 12 anos de poder, ninguém teve nada a ver com corrupção. Quem haveria de questionar peritos no assunto?

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.