Brasília convive com risco de eleger o inelegível
A disputa pelo governo da Capital da República flerta com o imponderável. Condenado em primeira instância por improbidade administrativa, o ex-governador José Roberto Arruda virou candidato do PR escorado numa decisão liminar (provisória) do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Porém, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, a caminho da aposentadoria, cassou a liminar, destravando o processo que pode resultar no enquadramento de Arruda na Lei da Ficha Limpa. O que o tornaria inelegível.
Tomada na quinta-feira, a decisão de Barbosa veio à luz nesta sexta (4). Mas Arruda não se deu por achado. Numa evidência de que não tem a menor intenção de se retirar da disputa, o ex-governador anunciou nesta mesma sexta o nome do seu candidato a vice: o ex-deputado federal Jofran Frejat, também do PR. Por mal dos pecados, Arruda lidera todas as pesquisas. Ou seja: a maioria do eleitorado do Distrito Federal não parece se importar com a hipótese de eleger um candidato que, no meio do caminho, pode se tornar um ficha suja de papel passado.
Chama-se Álvaro Ciarlini o juiz que condenou Arruda por improbidade. Ele é titular da 2ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal. Sua sentença se refere ao caso que ficou conhecido nacionalmente como mensalão do DEM —um esquema de coleta de propinas de fornecedores do governo, para distribuição entre aliados políticos. A coisa foi escancarada em 2010, quando Durval Barbosa, ex-secretário de Assuntos Institucionais do governo Arruda divulgou vídeos exibindo a distribuição de dinheiro. O próprio Arruda aparece numa das fitas recebendo verba suja.
Após passar uma temporada preso na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, Arruda teve o mandato cassado. Imaginou-se que estivesse politicamente morto. Divulgada em dezembro de 2013, a sentença do juiz Ciarlini seria uma espécie de última pá de terra sobre a cova em que jaziam as pretensões políticas do personagem. Mas arruda, político duro de roer, recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Na petição, o condenado arguiu a suspeição do magistrado de primeiro grau. O julgamento estava marcado para a última quarta-feira da semana passada.
Sobreveio, porém, o inacreditável: o mesmo Arruda que requisitara uma decisão do Tribunal de Justiça sobre a condenação que lhe fora imposta pelo juiz Ciarlini recorreu ao STJ para pedir a suspensão do julgamento. O inacreditável foi sucedido, então, pelo impensável: o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, expediu uma liminar impedindo os desembargadores do TJ de decidir. Quatro dias depois, o PR aclamou Arruda como candidato ao governo do qual fora cassado.
Inconformado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi bater às portas do STF. Pediu a cassação da liminar com base num argumento singelo: "A tutela do STJ findou por negar, na prática, à população do DF um processo eleitoral hígido na escolha do seu governador, a macular a própria credibilidade e efetividade do Poder Judiciário." Em português claro: o Judiciário atenta contra sua própria credibilidade ao sonegar ao eleitorado um veredicto sobre a idoneidade moral de Arruda.
No despacho em que cassou a liminar do STJ, Barbosa foi ao ponto: Arruda "não está buscando a revisão de uma decisão desfavorável contra si; pretende, apenas, paralisar o processo para que este não atrapalhe sua pauta política". Barbosa acrescentou: "Na ponderação entre o dever de fornecer a prestação jurisdicional de modo eficaz e em tempo adequado, e a expectativa do exercício de faculdades políticas do indivíduo, deve-se chegar a um resultado que não impeça a marcha processual rumo à prestação jurisdicional".
O que o presidente do Supremo disse, com outras palavras, foi o seguinte: entre o dever do Judiciário de julgar e o desejo de Arruda de apresentar-se como candidato, há o direito do distinto público de saber, antes da eleição, se está votando numa alternativa real de poder ou numa encenação que, na virada da curva, pode ser abalroada por uma sentença de inelegibilidade.
Com a decisão de Barbosa, o Tribunal de Justiça do DF ficou livre para realizar a sessão de julgamento que o STJ suspendera. O problema é que o Judiciário acaba de sair em férias. Só volta ao trabalho em agosto, a dois meses da eleição. Ou seja: Arruda continuará fazendo pose de candidato. E o pedaço majoritário do eleitorado de Brasília que se dispõe a votar no inelegível continuará fingindo que acredita na tese segundo a qual Arruda foi vítima de um complô de opositores, do Ministério Público e da imprensa sensasionalista.
Na falta de uma posição definitiva do Judiciário, o melhor a fazer talvez seja mesmo dar crédito à versão do complô. A outra alternativa seria acreditar que o que se passou na Brasília de 2010 foi um dos maiores mal-entendidos da história política do país —uma impressionante sequência de coincidências que, registradas em vídeo e interpretadas maliciosamente, fizeram um governante exemplar parecer um violador voraz das arcas públicas. Vai abaixo um vídeo que serve de refrigério para a memória.
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