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Josias de Souza

Projeto de Aécio para o Nordeste cheira a Lula

Josias de Souza

24/08/2014 05h22

Numa tentativa de seduzir o eleitor nordestino, Aécio Neves lançou o projeto 'Nordeste Forte'. Contém 45 ações em sete setores. A peça exala um cheiro de Lula. Inclui programas sociais e obras que marcaram a administração do ex-presidente petista. São iniciativas que ajudaram a reeleger Lula, em 2006, e impulsionaram a eleição de Dilma Rousseff, em 2010.

Escorada novamente no padrinho, Dilma continua desfrutando de enorme prestígio entre os nordestinos. Na região Nordeste, a afilhada de Lula prevalece sobre Aécio nas pesquisas com um placar esmagador: 55% contra 15%, segundo o Datafolha. O tucanato não tem a pretensão de reverter o quadro. Mas se esforça para atenuá-lo. Daí o anúncio do projeto, feito em Salvador, neste sábado.

Para combater a pobreza, Aécio assegura que manterá o Bolsa Família, carro chefe das administrações petistas na área social. Acena com a conversão do programa em "política de Estado". E promete elevar a renda per capita das famílias nordestinas para US$ 1,25 por dia. Em reais, isso corresponde a algo como R$ 2,85 por dia. Ou R$ 85,50 por mês —cifra superior aos R$ 70 pagos sob Dilma.

No papel, o objetivo declarado de Aécio é o de proporcionar às famílias nordestinas uma renda per capita domiciliar correspondente a 70% da média nacional. Isso num intervalo de dez anos. Se fosse eleito em 2014 e reeleito em 2018, Aécio seria presidente da República por oito anos.

Aécio usou a propaganda eleitoral veiculada no rádio e na tevê neste sábado para reforçar seu compromisso com a manutenção do Bolsa Familia (assista abaixo). Disse que o programa garante dinheiro às famílias "no presente". Para assegurar o "futuro", prometeu instituir outro programa, também mencionado no pacote para o Nordeste.

Chama-se "Poupança Jovem". Segundo Aécio, foi criado por ele quando governou Minas Gerais. Prevê a abertura de contas de poupança para os alunos do ensino médio. Os que tiverem boas notas, receberão depósitos anuais de R$ 1 mil. Que só poderão ser sacados depois de três anos.

Sem mencionar a cifra, Aécio diz na propaganda que o jovem beneficiário poderá usar o dinheiro "para iniciar uma nova etapa na sua vida ou mesmo para começar um pequeno negócio." Tudo isso com R$ 3 mil.

Além da poupança, o 'Nordeste Forte' informa no capítulo dedicado à "juventude" que Aécio vai "manter e ampliar" dois programas criados sob Lula —o Prouni e o Fies— e até uma iniciativa regulamentada por Dilma em 2011, primeiro ano do atual mandato: o programa Ciência Sem Fronteiras.

Para melhorar a "qualidade de vida" da população do Nordeste, o plano de Aécio anota que será "ampliado" o programa Minha Casa, Minha Vida —outra iniciativa nascida sob Lula, trombeteada na propaganda de Dilma na sucessão de 2010 e alardeada novamente no horário eleitoral deste ano.

Na área de infraestrutura, o projeto de Aécio prevê oito ações. Entre elas um par de ferrovias que Lula usou para colocar a primeira candidatura de Dilma nos trilhos: a Ferrovia Transnordestina e a Ferrovia Oeste-Leste. Para resolver o problema crônico da falta d'água no semiárido nordestino, Aécio assume o compromisso de concluir a Transposição do Rio São Francisco, outro canteiro de obras que Lula abriu, explorou politicamente à farta e o governo não consegue entregar.

As obras encampadas por Aécio podem ser encontradas também no horário eleitoral de Dilma. Elas aparecem nas peças do marqueteiro João Santana sempre no gerúndio: estão em andamento, estão avançando. Um eleitor que esteja irritado com a protelação eterna talvez busque alternativas.

Fixando-se em Aécio, encontrará um candidato disposto a "concluir" obras, além de "manter", "aprofundar" e "melhorar" programas . Um pedaço do eleitorado descontente talvez enxergue o presidenciável tucano como um gestor responsável, capaz de dar continuidade a iniciativas alheias. Mas também haverá eleitor se perguntando: se é para aperfeiçoar o já iniciado, trocar para quê?

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.