Topo

Josias de Souza

Janot defende no STF revisão da Lei da Anistia

Josias de Souza

29/08/2014 02h39

Em parecer enviado ao STF nesta quinta-feira (28), o procurador-geral da República Rodrigo Janot sustentou a tese segundo a qual a Lei da Anistia não pode obstruir a investigação de crimes de lesa-humanidade praticados no Brasil durante a ditadura militar (1964-1985). A manifestação do chefe do Ministério Público Federal foi requerida pelo próprio Supremo, no contexto de uma ação movida pelo PSOL.

Segundo o repórter Chico Otavio, Janot pede em seu parecer que o STF rejeite a interpretação que tem levado a Justiça a considerar que a Lei da Anistia (6.683, de 1979) enseja a "extinção de punibilidade de crimes de lesa-humanidade ou a ele conexos, cometidos por agentes públicos civis ou militares, no exercício da função ou fora dela."

A petição do PSOL leva o nome técnico de Ação de Descumprimento Preceito Fundamental (ADPF). Nela, o partido requer ao Supremo que obrigue o Estado brasileiro a cumprir uma sentença proferida há quatro anos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Refere-se a um processo que ficou conhecido como Caso Gomes Lund.

Trata-se de uma alusão a Guilherme Gomes Lund, um militante do Partido Comunista do Brasil que participou da Guerrilha do Araguaia e desapareceu em 1973. Na luta contra a ditadura, os guerrilheiros do PCdoB foram à sorte das armas entre 1971 e 1975, numa região que incluía áreas do Pará e de Goiás. O pedaço goiano do território hoje integra o Estado do Tocantins.

Ao examinar o caso de Gomes Lund, em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos considerou que o Estado brasileiro é responsável pelo desaparecimento de 62 pessoas que combateram no Araguaia. Determinou que o governo investigue e mova ações penais para responsabilizar judicialmente os responsáveis.

Até hoje, o governo dá de ombros para a decisão. Os comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, forças que sufocaram os guerrilheiros do Araguaia, sustentam que a Lei da Anistia passou uma borracha nos crimes cometidos sob a ditadura. A ação do PSOL é mais uma tentativa de rever esse entendimento.

Janot sustenta no seu parecer que Supremo deve comunicar a todos os Poderes da República que a sentença da Corte Interamericana, dotada de efeitos vinculantes, deve ser observada por todos os órgãos do Executivo, do Legislativo e do Judicicário. Trocando em miúdos: a sentença precisa ser cumprida.

O relator do caso no STF é o ministro Luiz Fux. Obviamente, ele não está obrigado a seguir a posição de Janot, que vai ao processo como mero subsídio. Ainda assim, procuradores da República que atuam em processos envolvendo agentes da repressão celebraram a manifestação. Correm no Judiciário algo como duas centenas de ações envolvendo crimes praticados por agentes a serviço da ditadura. Desse total, apenas nove resultaram, por ora, em ações penais. Seis já foram trancadas por sentenças que se escoraram na Lei da Anistia.

Uma das ações travadas no Judiciário refere-se ao caso do atentado do Riocentro, praticado em abril de 1981. Se o Supremo der razão a Janot, a encrenca irá a julgamento. Isso porque o procurador-geral argumenta no parecer que a Lei da Anistia não deve ser levada em conta para crimes praticados depois da sua edição, em 1979.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.