Campanha de Dilma entra na fase do vale-tudo
Na semana passada, o comitê eleitoral de Dilma Rousseff usou o horário eleitoral para fazer terrorismo político. Levou ao ar peças que associavam a eventual vitória de Marina Silva à "incerteza de uma aventura". Nesta terça, a campanha da ex-favorita esclarece que a tática do medo não era um ponto fora da curva.
Em nova investida, o marqueteiro João Santana vincula Marina aos desastres Jânio Quadros e Fernando Collor. Faz isso poucos dias depois de exibir Lula dizendo o seguinte: "Na minha primeira campanha, a esperança venceu o medo e nesta da Dilma, a verdade vai vencer a mentira."
O que assusta nessa marcha resoluta da campanha de Dilma rumo à empulhação não é a sua crueza. Se a passagem do PT pelo poder ensinou alguma coisa é a não esperar nenhuma hesitação altruísta da ex-esquerda. Em nome da preservação de bocas e privilégios seus representantes costumam adotar a moral da sobrevivência. Que é muito parecida com a moral da selva.
Assustadora na rendição da campanha de Dilma ao vale-tudo é a escassa resistência que encontrou. A falta de estrutura partidária é mesmo um calcanhar de vidro de Marina. É necessário que a substituta de Eduardo Campos seja instada a dizer como pretende governar. Porém, como fenômeno político, Marina se parece mais com o Lula-2002 do que com o Collor-1989.
Curiosamente, Marina virou Collor na propaganda de Dilma com a aprovação de Lula, com quem a candidata se reuniu na noite de segunda-feira. O mesmo Lula que, em 1989, foi acusado por Collor, num debate televisivo, de defender "teses marxistas". "Ele defende abertamente a luta armada", atacou Collor, "Ele defende a invasão de terras, ele defende a invasão de casas e apartamentos…"
Numa disputa marcada pelo sonho da mudança, a propaganda de Dilma rende-se ao pesadelo da manutenção do hiper-pragmatismo: "Duas vezes em sua história, o Brasil elegeu salvadores da pátria, chefes do partido do eu sozinho", diz um locutor na fatídica peça. Saltam na tela imagens de Jânio e a manchete sobre o impeachment de Collor.
O locutor arremata: "A gente sabe como isso acabou. Sonhar é bom, mas eleição é hora de botar o pé no chão e voltar à realidade." Em verdade, ninguém sabe como terminou. A história não acabou. E o estágio atual não é animador. Contando com o golpe de 64, que foi o desejo de mudança de muita gente, 2014 é a décima tentativa do Brasil de decidir que país deseja ser depois que crescer.
Começando a conta a partir de Juscelino, tivemos Jânio, o plebiscito que deu sobrevida a Jango, o golpe militar de 64, o malogro da mobilização pelas diretas, Tancredo e Sarney, Collor e PC Farias, Itamar e FHC e Lula. Nesse grande processo histórico, Dilma não chega a ser muita coisa. É uma reticência que parte do eleitorado vê como uma ressaca do período Lula.
Um período que acabou numa base congressual tão ampla que inclui do PCdoB ao Fernando Collor. Depois de aderir a Lula, Collor é, hoje, um feliz apoiador do governo Dilma. Pede votos para ela em Alagoas. Disputa a reeleição ao Senado com o apoio do ex-PT.
Quer dizer: Dilma pede à plateia que troque o sonho por uma realidade que inclui Collor, Sarney, Renan e um infindável etcétera. Ao criticar a esterilidade da política baseada nos bons sentimentos, Dilma e seu marqueteiro sugerem que o país se conforme com a política do possível. Nesse modelo, subverte-se a ética: o sonhador é que o egoísta, o intransigente com as más companhias é o verdadeiro imoral. A que ponto chegaram Dilma, Lula e o ex-PT!
– Atualização feita às 20h02 desta terça-feira (2): comparada a Jânio e Collor, Marina Silva respondeu com ironia. Insinuou que temerário mesmo foi eleger Dilma, que jamais passara pelas urnas antes: "A sociedade brasileira me conhece, conhece os valores que defendo, a luta que tenho há mais de trinta anos. Fui vereadora, deputada, senadora por 16 anos, ministra do Meio Ambiente. Imagina se eu dissesse que uma pessoa que nunca foi eleita nem vereadora fosse eleita presidente do Brasil. Aí sim poderia parecer Collor de Mello."
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