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Josias de Souza

Dilma levou a candidatura para passear na ONU

Josias de Souza

25/09/2014 06h03

Dilma Rousseff levou a República para passear em Nova York e sua candidatura presidencial foi junto. Ela fez pose de presidente na tribuna da Assembléia Geral da ONU. Esqueceu que, por trás da pose, é preciso que exista uma noção qualquer de Estado. Dilma pôs a sua melhor roupa, o seu melhor sapato e as suas melhores virtudes para fornecer matéria-prima ao marqueteiro João Santana. Sobre política interna, soou questionável. Sobre política externa, lamentável.

Se fosse regido pelo discurso marqueteiro pronunciado nas Nações Unidas, o Brasil seria um país extraordinário. Teria obras públicas em profusão, tocadas em ritmo febril. "Retomamos o investimento em infraestrutura numa forte parceria com o setor privado." Jamais sobraria mês no fim do salário dos brasileiros. "A taxa de inflação anual tem se situado nos limites da banda de variação mínima e máxima fixada pelo sistema de metas."

O fechamento das contas públicas não exigiria a retirada de cartolas de dentro de coelhos. "Não descuramos da solidez fiscal e da estabilidade monetária." As fornalhas da economia nacional operariam em sua plenitude. "Protegemos o Brasil frente à volatilidade externa. Soubemos dar respostas à grande crise econômica mundial, deflagrada em 2008."

Os patrícios coabitariam um Éden igualitário. "Se em 2002, mais da metade dos brasileiros era pobre ou muito pobre, hoje 3 em cada 4 brasileiros integram a classe média e os extratos superiores." O paraíso seria ético. "Outro valor fundamental é o respeito à coisa pública e o combate sem tréguas à corrupção."

Quem ouviu Dilma recitando o discurso redentor que João Santana aproveitará no horário eleitoral teve a impressão de que o Brasil realmente mudou muito nos últimos 12 anos. Talvez tenha ido para a Dinamarca. Ao embarcar para Nova York, Dilma não tirou os pés apenas do solo brasileiro. Ela privou seus sapatos de um contato com a realidade. Ao tratar de política externa, a oradora estava na estratosfera.

Num dia em que até a Síria, o Irã e a Rússia emitiram sinais de apoio às bombas que os EUA despejam sobre as cabeças dos terroristas do Estado Islâmico, Dilma condenou o "uso da força". Pregou o diálogo. Não citou os colecionadores de escalpos. Mas terminou equiparando-os a um Estado nacional. Fez isso ao enumerar as encrencas que reclamam negociação: Palestina, Síria, Iraque e Ucrânia, por exemplo. Foi ecoada apenas pela companheira Cristina Kirchner ecoou Dilma na ONU. Uma evidência de que precisa aterrissar urgentemente.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.