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Josias de Souza

Desvios na Petrobras aumentaram após desmontagem do esquema do mensalão

Josias de Souza

10/10/2014 05h27

No depoimento que prestou à Justiça Federal do Paraná na quarta-feira (8), o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa expôs uma cronologia reveladora. Segundo o delator, o balcão de negócios instalado na maior estatal brasileira passou a operar mais intensamente a partir de 2006. Pouco depois, portanto, do fechamento dos guichês do mensalão, em 2005.

Paulo Roberto assumira a diretoria de Abastecimento da Petrobras em 2004, sob Lula. O delator explicou que, no alvorecer de sua gestão, as oportunidades de negócios eram escassas: "Em 2004 e 2005, nós tivemos pouquíssimas obras, porque o orçamento era muito restrito e também não tinha projeto", disse Paulo Roberto.

"Então, as obras na área de Abastecimento praticamente começam no ano de 2006", ele acrescentou. No ano anterior, 2005, outro delator, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), jogara o mensalão no ventilador. Sem vincular um escândalo ao outro, Paulo Roberto deixou transparecer que a Petrobras converteu-se numa rendosa fonte alternativa de trambiques.

Foi nessa época, segundo o delator, que ganharam impulso as obras da refinaria Abreu e Lima, hoje célebre por seus superfaturamentos. "Vai ficar pronta em novembro deste ano", previu Paulo Roberto. "A parte de terraplanagem começou em 2007." Antes, segundo suas palavras, "teve um período de pouquíssima realização financeira."

A corrupção aumentou na proporção direta da elevação da "realização financeira". De acordo com o delator, os contratos celebrados na Petrobras rendiam um pedágio político de 3%, que descia às arcas de pelo menos três legendas: PT, PMDB e PP. A campanha eleitoral de 2002 fora irrigada com as verbas sujas do mensalão. A de 2010, informou Paulo Roberto, foi besuntada com verbas do petrolão, como vem sendo chamado o novo escândalo.

Um dos pontos áureos do depoimento de Paulo Roberto Costa foi o instante em que, autorizada pelo juiz Sérgio Moro, que conduz a Operação Lava Jato, a defesa do doleiro Alberto Youssef formulou um lote de perguntas ao depoente. O inquisidor fez os questionamentos sabendo quais seriam as respostas do delator. Interessava-lhe deixar assentado nos autos que Youssef era um mero operador, não o mentor da petro-roubalheira.

— O senhor disse que Alberto Youssef procurava pessoas nas empreiteiras para pegar o dinheiro. É isso?, indagou o defensor do doleiro.

— Correto, respondeu Paulo Roberto, seco.

— As empresas sabiam que esse dinheiro que estava sendo pago ia para agentes públicos?

— Sim.

Na abertura do depoimento, o juiz determinara que não fossem mencionados os nomes das autoridades e dos políticos suspeitos de corrupção. Eles dispõem de prerrogativa de foro. Estão sendo investigados pelo STF. Daí o advogado ter tratado os beneficiários das propinas apenas como "agentes públicos".

— Eles [os representantes das empresas] tinham convicção de que esse dinheiro ia financiar políticos e campanhas políticas?, prosseguiu o defensor de Youssef.

— Certamente. Sim, a resposta é sim, disse Paulo Roberto, em timbre categórico.

— Ou seja, esse esquema, me perdoe a expressão, de propina era também usado para financiar políticos brasileiros e o esquema de financiamento de campanhas políticas?, insistiu o advogado de Youssef.

— A resposta é sim.

— Em 2010, o senhor disse que esse dinheiro financiou campanhas políticas?

— Sim.

— Várias campanhas?

— Várias.

— Inclusive majoritárias?

Candidatos majoritários concorrem ao Senado, aos governos estaduais e à Presidência da República. O juiz farejou as intenções do advogado. E interveio: "Não, aí não vamos entrar nessa questão, doutor", brecou. "Eu disse campanhas, Excelência, não disse de quem era", tentou justificar o defensor do doleiro. E o magistrado: "Doutor, está indeferida a questão."

"O senhor concorda que esse sistema acaba prejudicando um pouco o meu cliente?", indagou o advogado. O juiz ironizou: "Bem, mas seu cliente é um político ou é o senhor Alberto Youssef?" O advogado tentou esticar a prosa: "A partir do momento que ele tem…" Mas não teve tempo de completar a frase: "Está indeferida a pergunta, doutor!"

Nada mais revelador da encrenca que está por vir do que o silêncio sobre os nomões escondidos atrás do escândalo. As cifras desviadas são bilionárias. A Polícia Federal estima que apenas o doleiro Alberto Youssef, que operava em nome do PP, lavou o equivalente a R$ 10 bilhões em dinheiro sujo. E ele não era o único a atuar na Petrobras.

Pelo PT, disseram Paulo Roberto e Alberto Youssef, operava o diretor Financeiro da legenda, João Vaccari Neto. Pelo PMDB, quem passava o chapéu era um cidadão chamado Fernando Soares. O esquema se servia de propinas pagas por pelo menos 12 empresas: Camargo Corrêa, OAS, UTC, Odebrecht, Queiroz Galvão, Toyo Setal, Galvão Engenharia, Andrade Gutierrez, Iesa, Engevix, Jaraguá Equipamentos e Mendes Junior. Todas negaram participação no esquema. Operavam sob a forma de cartel. Dentro e fora da Petrobras, disse Paulo Roberto.

Youssef prestou depoimento na sequência. Confirmou a maioria das informações de Paulo Roberto. Ecoando as preocupações de sua defesa, o doleiro qualificou-se como parte da engrenagem, não como mentor. A certa altura o juiz Sérgio Mouro pediu a Youssef que esclarecesse como funcionava o recebimento das propinas de 3% que o PP (1%) era obrigado a dividir com o PT (2%). O doleiro expressou-se com um didatismo hediondo:

"Vou explicar, para Vossa Excelência entender: o contrato é um só. Uma obra da Camargo Corrêa, de R$ 3,480 bilhões —R$ 34 milhões ela tinha que pagar para o PP. Eu era responsável por esse aporte [referente à diretoria de Abastecimento]. A outra parte eu não era responsável. A empresa tinha que pagar mais 1%, mais R$ 34 milhões, ou 2%, como o Paulo Robeto está dizendo, para outro operador, no caso o João Vaccari", já que o PT controlava a diretoria de Serviços, responsável por orçar, licitar e fiscalizar as obras tocadas por outras diretorias.

Antes de dar por encerrado o interrogatório de Paulo Roberto Costa, o juiz Sérgio Moro perguntou ao delator se ele queria "dizer alguma coisa". E o interrogado: "Queria dizer só uma coisa, Excelência. Eu trabalhei na Petrobras 35 anos. Vinte e sete anos do meu trabalho foram trabalhos técnicos, gerenciais. E eu não tive nenhuma mácula nesses 27 anos."

Paulo Roberto prosseguiu: "Se houve erro —e houve, não é?— foi a partir da entrada minha na diretoria por envolvimento com grupos políticos, que usam a oração de São Francisco, que é dando que se recebe. Eles dizem muito isso. Então, esse envolvimento político que tem, que tinha, depois que eu saí não posso mais falar, mas que tinha em todas as diretorias da Petrobras, é uma mácula dentro da companhia…"

A ser verdade o que disse Youssef em seu depoimento, o próprio Paulo Roberto é fruto de uma chantagem política dos aliados do Planalto. Nessa versão, ele foi alçado ao posto de diretor depois que deputados governistas bloquearam as votações na Câmara por 90 dias. Se a prisão dos mensaleiros ensinou alguma coisa foi que a ética não pode ser ensinada a quem não quer aprender. Quem sai aos seus não endireita.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.