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Josias de Souza

CPIs da Petrobras suicidarão o instituto da CPI

Josias de Souza

11/11/2014 05h40

Moreira Mariz/Ag.Senado

Outrora valorizado, o instituto da CPI há muito caiu em descrédito. Vinha exibindo uma tendência suicida desde a CPI do Cachoeira. Nas duas CPIs da Petrobras, adotou um comportamento limite. Coisa de altíssimo risco. Com clara tendência à autodesmoralização. Os amigos da democracia devem alertar as CPIs sobre a gravidade da situação. Mas é preciso fazer isso com muito jeito.

Quanto mais criticam as Comissões Parlamentares de Inquérito, mais desmoralizadas elas ficam. Enfraquecidas, elas talvez não resistam aos instintos autodestrutivos. As petro-CPIs avacalharam-se. Mas isso só pode ser dito em voz muito baixa, quase sussurrada. Sob pena de o instituto da CPI se jogar do último andar do prédio de Niemeyer.

Inauguradas há seis meses, as CPIs deveriam apurar a roubalheira que transformou a Petrobras na maior produtora de lama do país. Em vez disso, seus integrantes chafurdaram na própria inoperância. Em maioria, os governistas avaliaram que uma CPI muito curiosa seria inconveniente para a reeleição. Duas CPIs sérias lançariam o Executivo na vala do descrédito na hora em que Dilma mais precisa de confiança.

A Petrobras é varejada em inquéritos, processos e delações que estão em andamento. Mas esses procedimentos correm longe das CPIs, que se limitam a fingir que investigam o já investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. As CPIs guerreiam pelos depoimentos prestados sob delação. E o STF: esqueçam! Só tomarão conhecimento depois que os ladrões forem denunciados.

Na semana passada, petistas e tucanos aproveitaram a ausência das delações para acertar o que não deveria ser investigado. Engavetaram-se requerimentos de convocação de políticos e operadores. A plateia concluiu que chamar de CPI uma comissão isenta de curiosidade seria o mesmo que chamar uma farsa de investigação.

Convertidas em alvos de si mesmas, as CPIs ganharam uma aparência de roleta russa. O que também é uma modalidade de suicídio, mesmo que na forma de um desafio à própria sorte. Após seis meses de teatro, as CPIs decidiram prorrogar suas atividades até 22 de dezembro. Para quê? Melhor não insistir na pergunta. Ninguém sabe como os suicidas podem reagir.

Nesta terça-feira, as duas CPIs voltam a se reunir. A do Senado, 100% governista, terá sessão pela manhã. Vão a voto meia dúzia de requerimentos irrelevantes. A última sessão do colegiado ocorrera em 16 de julho, há quase quatro meses. Nela, foi inquirido Glauco Colepicolo Legati, gerente-geral de Implementação de Empreendimentos da Petrobras.

Glauco Legati negara aos senadores que o entrevistaram a existência de superfaturamento nas obras da refinaria Abreu e Lima. Há quatro meses, quando soaram na CPI, suas palavras pareciam frágeis. Depois das delações, viraram pó. Pode-se dizer muita coisa sobre esse empreendimento, menos que nele não há superfaturamento.

A reunião da outra CPI da Petrobras, a mista, integrada por deputados e senadores, ocorrerá à tarde. A pauta inclui a votação dos requerimentos de convocação de Sérgio Machado e Renato Duque. O primeiro é presidente licenciado da Transpetro, a subsidiária naval da estatal. Indicou-o o todo-poderoso Renan Calheiros. O delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento, disse ter recebido das mãos de dele R$ 500 mil em verbas sujas.

Duque, o segundo candidato a depoente, é ex-diretor de Serviços da Petrobras. Passou pelo cargo como afilhado do PT, para cujas arcas desviava parte da proprina amealhada junto a fornecedores da estatal, informaram os delatores Paulo Roberto e Alberto Youssef. Na noite passada, a bancada do governo, em maioria, cogitava negar quórum à reunião. Nessa hipótese, os requerimentos nem seriam apreciados. E a comissão continuaria girando em torno do nada.

Sempre que submetida a grandes assaltos, a plateia tende a concluir que até um simulacro de investigação parlamentar pode ser preferível a investigação nenhuma. Mas as duas CPIs da Petrobras parecem empenhadas em dar razão a todos os que olham para o Congresso e apostam no pior.

A essa altura, talvez seja tarde para tentar impedir que o instituto da CPI se mate. Convenhamos, o suicídio é uma coisa íntima. Melhor não se meter na vida —ou na morte— de ninguém. A essa altura, o melhor que poderia acontecer às CPIs da Petrobras seria mesmo o fim. Muitos se queixam das mortes prematuras. Mas ninguém reclama das mortes procrastinadas.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.