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Josias de Souza

PSDB e DEM tiveram noite de PT no Congresso

Josias de Souza

02/12/2014 21h54

Sob tumulto, o presidente do Congresso, Renan Calheiros, suspendeu pouco antes das 21h a terceira tentativa de votar a projeto da manobra fiscal, que autoriza o governo a fechar suas contas no vermelho em 2014. A sessão teve uma atmosfera de estádio de futebol.


Do alto das galerias, cerca de duas dezenas de pessoas faziam o papel de torcida. Juiz supremo da partida, Renan ordenou à polícia do Senado o esvaziamento das arquibancadas. Seguiu-se um rififi que provocou a interrupção da sessão por uma hora e meia. Como não conseguiu restabelecer a ordem, Renan viu-se compelido a adiar o jogo para a manhã desta quarta-feira.

Abespinhado com a oposição, Renan se queixou no microfone: "Essa é uma obstrução única na história do Congresso Nacional." Ele contou os manifestantes: "Vinte e seis pessoas assalariadas paralisaram os trabalhos do Congresso."

O fósforo foi riscado no instante em que subiu à tribuna a líder do PCdoB no Senado, Vanessa Graziottin (AM). Ela foi vaiada ao defender a "responsabilidade fiscal" de Dilma. Pediu respeito às galerias. Desatendida, desceu do púlpito. A deputada Jandira Feghali (RJ), também do PCdoB, foi correu ao microfone. Acusou os manifestantes de chamarem a correligionária de "vagabunda".

Jandira pediu a Renan Calheiros que fizesse valer sua autoridade de presidente do Congresso para determinar o esvaziamento das galerias. Foi atendida. Sob a alegação de que as galerias estavam "partidarizadas", Renan mandou que a Polícia do Senado entrasse em ação (veja no vídeo abaixo o momento em que a sessão ferveu).

Inconformados, congressistas de oposição foram mais ágeis do que os agentes da segurança. Correram do plenário para as galerias. E fizeram uma espécie de cordão humano de proteção aos manifestantes. Estabeleceu-se um impasse.

Instado por líderes oposicionistas a reconsiderar a decisão de silenciar a torcida, Renan disse que não recuaria. Recebeu apoio efusivo de congressistas do PT. Para os petistas, a torcida entoava: "ôooooo, o PT roubouuuuuuuuu, o PT roubouuuuuuuuum o PT roubouuuuuuuuuu…" E para as 'comunistas do B': "Vai pra Cubaaaa, 'vai pra Cubaaaa! ". Na versão dos manifestantes, foi essa expressão que os ouvidos de Vanessa Graziottin traduziram como "vagabunda".

A favor da ação dos seguranças, o petista Amauri Teixeira (BA) abandonou o tratamento cerimonioso de "Vossa Excelência" e chamou de "seu merda" o tucano Domingos Sávio (MG), autoconvertido em defensor dos direitos dos manifestantes. Houve uma súbita inversão de papeis.

A comunista Jandira Feghali ralhou com as galerias: "Esses manifestantes são uma claque paga pela oposição", disse. "Não representam nada nem ninguém. Estavam, democraticamente, ocupando as galerias. Na hora em que a senadora Vanessa foi falar, chamaram de vagabunda. É um desrespeito às mulheres e ao Parlamento. Não podemos admitir. Deputados que pagaram a claque estão ali, impedindo o trabalho da segurança."

O deputado 'demo' Paudernei Avelino (AM) saiu em defesa das arquibancadas: "O que houve foram palavras de ordem. Nenhuma agressão. A senadora não foi chamada de vagabunda. Não aconteceu isso. Sou deputado de uma época em que, para fazer reformas que o Brasil necessitava, sofremos com a hostilidade de galerias que jogavam moedas nos parlamentares. Esse povo está aqui da mesma forma, por entender que o melhor para o Brasil é não votar esse projeto" que altera o calculo da meta de superávit fiscal.

Doze anos depois do término do governo tucano de Fernnado Henrique Cardoso, tucanos e 'demos' tiveram uma noite de petistas. Na outra ponta, petistas e seus parceiros mais antigos já colecionam mais do que 15 minutos de má fama. A despeito da contrariedade do presidente do Congresso, só o PMDB não sofre. Ontem, como hoje, o partido de Renan está onde sempre esteve: do lado do governo.

Líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN) ironizou: "Essa sessão mostrou que o governo do PT está com medo do povo." Líder do do DEM na Câmara, o deputado Mendonça Filho (PE) disse que a obstrução será retomada na sessão da manhã desta quarta: "A luta continua."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.