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Josias de Souza

Barroso: ‘O sistema político é uma usina do mal’

Josias de Souza

19/12/2014 06h00

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Ministro do STF há um ano e meio, Luís Roberto Barroso revela-se convencido de que, enquanto não for reformado o modelo político brasileiro, a principal consequência de um escândalo será a produção de outro, e outro, e mais outro… "Houve o mensalão, agora tem este que chamam de petrolão e, certamente, enquanto a gente conversa, continuam acontecendo coisas erradas", disse ele, em entrevista ao blog. "O sistema político brasileiro é uma usina do mal", acrescentou.

Para Barroso, o sistema tornou-se "indutor da criminalidade". Move-se na contramão do movimento civilizatório. "A vida civilizada existe para reprimir o mal e potencializar o bem", disse o ministro. "O sistema político brasileiro faz exatamente o contrário. Ele reprime o bem e potencializa o mal."

Há no Brasil 32 agremiações partidárias com registro na Justiça Eleitoral. Isso não é bom. Mas o ministro receia que fique muito pior. "Eu li que existem mais três dezenas de partidos políticos pedindo registro e se habilitando para participar da cena política", alarmou-se Barroso. "E ninguém se ilude, achando que é um surto de idealismo, um surto de patriotismo, um surto de pessoas querendo discutir ideias para o país. É porque isso virou um negócio. A política não pode ser um negócio."

Na visão de Barroso, é na caixa registradora dos comitês eleitorais que a natureza mercantil da política se manifesta de maneira mais explícita. "O modo como as empresas participam do financiamento eleitoral é antidemocrático e antirrepublicano. Portanto, gera um problema de constitucionalidade."

Por quê? "Não há nenhum tipo de disciplina jurídica, nenhum tipo de limite. Então, a mesma empresa —e isso acontece corriqueiramente, e aconteceu de novo— pode financiar os três candidatos a presidente da República. Bom, se está financiando os três não é uma questão ideológica."

De duas, uma: "Ou as empresas são achacadas para dar dinheiro ou estão comprando um favor futuro dando dinheiro", afirmou Barroso. "Qualquer uma das duas alternativas é péssima. […] Depois da eleição, esta empresa que financiou pode contratar diretamente com a administração pública. E pode ser contratada —às vezes sem licitação. […] Ou ela vai obter um belo financiamento do BNDES, quando já não esteja financiando a campanha política com o dinheiro do BNDES. Ou seja, tudo errado."

Como se sabe, a "usina do mal" de que fala o ministro Barroso produz réus ilustres. São autoridades que usufruem do chamado foro por prerrogativa de função —só podem ser processadas e julgadas no Supremo. O procurador-geral da República Rodrigo Janot anunciou para fevereiro o envio ao STF das denúncias contra os políticos pilhados recebendo propinas na Petrobras.

Graças a uma proposta formulada por Barroso, em coautoria com o colega Teori Zavascki, os políticos encrencados em ações penais passaram a ser julgados mais rapidamente. Relator do mensalão desde que Joaquim Barbosa aposentou-se, Barroso propôs que as denúncias da Procuradoria da República contra congressistas e ministros passassem a ser analisadas nas duas turmas do STF, não mais no plenário da Corte.

Zavascki, hoje responsável pelo caso do petrolão na Suprema Corte, propôs que, além da análise sobre a procedência das denúncias da Procuradoria, o próprio julgamento dos réus ficasse sob a responsabilidade das turmas do Supremo.

"Quando eu sugeri, minha principal motivação era desobstruir o plenário", declarou Barroso. "O plenário do Supremo deve ser uma Corte constitucional, deve julgar grandes temas de interesse da nacionalidade, em ações diretas de inconstitucionalidade ou em repercussão geral."

O que vinha acontecendo, recordou o ministro, é que "o Supremo passava tardes no plenário para receber uma denúncia, com 11 ministros se pronunciando, às vezes sobre uma questão simples." No julgamento do mensalão, a situação chegou às raias do paroxismo. "Na ação penal 470, que foi a do mensalão, o tribunal passou um ano praticamente em função disso. E há outras coisas importantes."

Barroso celebrou o êxito da novidade que ajudou a introduzir na rotina do STF. "A partir do momento que nós passamos para a turma, que não tem televisão, tem menos pessoas e uma dinâmica muito mais ágil, nós já recebemos quase três dezenas de denúncias na Primeira Turma, que é a minha. E já julgamos dez ou 15 ações penais em pouco mais de seis meses. Ou seja, o que estava atravancado no plenário passou a andar nas turmas."

A falta de televisionamento não compremete a transparência das decisões? "A turma é transmitida internamente com acesso aos jornalistas. Portanto, as sessões são públicas", disse Barroso. "Todos os jornalistas que cobrem o Supremo assistem às sessões das turmas. Ela não passa na TV aberta. […] Mas não há nenhum tipo de impedimento de que, havendo um julgamento relevante feito pela turma, ela seja transmitida pela TV Justiça."

A transmissão televisiva das futuras sessões de julgamento dos prováveis réus do petrolão não está assegurada. Mas Barroso esclarece que não se opõe à entrada das câmeras. "Os advogados reclamavam muito de julgamentos criminais transmitidos pela TV Justiça. Mas não há nenhum impedimento regimental, constitucional ou legal. E acho que, nessas grandes questões públicas, a transparência, a visibilidade, é prioritária."

Barroso falou ao blog nesta quinta-feira (18), em seu gabinete. Entre outros temas, discorreu sobre: 1) a urgência de o Congresso aprovar uma reforma política, a conveniência de retirar do STF a atribuição de julgar ações penais contra congressistas e ministros; 2) a decisão de conceder aos condenados José Dirceu, Delúbio Soares e Valdemar Costa Neto a "progressão de regime" que os converteu em beneficiários da prisão domiciliar; 3) o despacho que negou ao condenado João Paulo Cunha o mesmo benefício; e 4) o futuro da Lei da Anistia no STF. Não deixe de assistir aos principais trechos da entrevista, disponíveis nos vídeos lá do alto.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.