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Josias de Souza

Dilma abandona plano de dialogar com oposição

Josias de Souza

02/01/2015 03h53

Em movimento estudado, Dilma Rousseff esquivou-se de mencionar a oposição no seu discurso de posse, neste 1º de janeiro de 2015. Abandonou a intenção de construir "pontes". Em outubro, depois de sacramentado o resultado da disputa que travara com o tucano Aécio Neves no segundo turno da campanha presidencial, Dilma afirmara, em timbre enfático: "Essa presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo."

Decorridos pouco mais de dois meses, Dilma enumerou no discurso de posse (íntegra) as pessoas e grupos políticos que, segundo acredita, irão ajudá-la a "encarar os desafios" do novo ciclo. Citou quase todo mundo, até a militância do PT. Mas não retomou a ideia do diálogo.


" …Sei que conto com o apoio do meu querido vice-presidente Michel Temer, parceiro de todas as horas. Sei que conto com o esforço dos homens e mulheres do Judiciário. Sei que conto com o forte apoio da minha base aliada, de cada liderança partidária de nossa base e com os ministros e as ministras que estarão, a partir de hoje, trabalhando ao meu lado pelo Brasil. Sei que conto com o apoio de cada militante do meu partido, o PT, e da militância de cada partido da base aliada, representados aqui pelo mais destacado militante e maior líder popular da nossa história, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva."

Não disse nada que aquela evocasse a Dilma de outubro, que derrotou Aécio por uma diferença de pouco mais de 3 milhões de votos. "Em lugar de ampliar divergências, de criar um fosso, tenho forte esperança que a energia mobilizadora tenha preparado um bom terreno para a construção e pontes", discursara a presidente em outubro. "O calor liberado no fragor da disputa pode e deve agora ser transformado em energia construtiva de um novo momento no Brasil"

Ouvido pelo repórter, um auxiliar de Dilma atribuiu ao PSDB de Aécio Neves o sepultamento do diálogo. Ecoou um raciocínio da própria presidente, segundo o qual "a oposição ainda não desceu do palanque". Recordou que o tucanato pediu a recontagem dos votos. Lembrou, de resto, que a coligação derrotada tentou impedir, sem "base legal", a diplomação de Dilma na Justiça Eleitoral.

Repete-se agora um fenômeno que convulsiona todos os governos liderados pelo PSDB (oito anos de FHC) e pelo PT (a caminho dos 16 anos com Dilma). Os dois partidos brigam entre si e trocam apoio congressual por pedaços do Orçamento da União. Nesse modelo, movimentos como o que Dilma acabou de realizar não podem ser chamados de reforma ministerial. Em alguns casos, o governo apenas trocou de cúmplices. É o que Marina Silva -ou o que restou da terceira via-  chama de "ganhar perdendo".

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.