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Josias de Souza

Respira-se no Congresso um cheiro de traições

Josias de Souza

01/02/2015 15h18

Na briga pelas presidências da Câmara e do Senado, as alianças põem nos celebrantes uns grilhões de barbante, que não resistem a um peteleco. Considerando-se o cheiro de traição que exala dos partidos, uma víbora teria dificuldades para respirar a atmosfera do Congresso nos instantes que antecedem a contagem dos votos. A votação é secreta.

O PR do mensaleiro Valdemar Costa Neto, por exemplo, tornou-se um partido bipolar. Sob refletores, cedeu às pressões do Planalto. Comprometeu-se a votar no petista Arlindo Chinaglia para presidente da Câmara. No escurinho, a turma de Valdemar tranquilizou o peemedebista Eduardo Cunha. Informou ao desafeto de Dilma Rousseff que ele terá a maioria dos votos da legenda.

Na última sexta-feira, um pedaço do PSDB ameaçava bandear-se para o lado de Eduardo Cunha. Enquadrado por seu presidente, Aécio Neves, o tucanato alardeou que está mantido o apoio à candidatura de Júlio Delgado, do PSB. Na tarde de sábado, o líder tucano Carlos Sampaio dividiu com Cunha uma mesa num restaurante da Capital, o Villa Tevere.

Acompanhados por meia dúzia de pessoas, Sampaio e Cunha chegaram por volta das 15h30, quando a casa de repasto estava vazia. O teor da conversa não é conhecido. O PSDB continua sustentando que votará em Delgado. O grupo de Cunha contabiliza em sua planilha algo como 20 dos 54 votos do PSDB.

Até a manhã deste domingo, Eduardo Cunha manejava um bloco que somava 205 deputados. No início da tarde, registrou na Mesa da Câmara um conglomerado de 14 partidos, com 218 votos. Obteve a adesão de meia dúzia de partidos nanicos que negociavam seus votos com Arlindo Chinaglia, o preferido do Planalto. Cunha diz que prevalecerá no primeiro turno. Para que isso ocorra, precisa obter os votos de 257 dos 513 deputados. Quer dizer: o peemedebista aposta pesadamente no adultério.

O bloco de Chinaglia congrega cinco partidos. Sem traições, somam 160 cabeças. Esperava-se que chegasse a 180. Mas o PDT, com 20 votos, não ratificou seu ingresso no bloco. Diz-se que o partido perdeu a hora. Será? O grupo de Júlio Delgado contabiliza 106 votos.

No Senado, o peemedebista Renan Calheiros receia sobretudo a traição de integrantes da bancada do PT. A despeito das pressões do Planalto, um naco do petismo flerta com Luiz Henrique, também do PMDB. Para compensar eventuais defecções, Renan cabalou votos até na oposição, supostamente fechada com seu rival. Cada voto é disputado como uma bola dividida. Senador de primeira viagem, o craque Romário, do oposicionista PSB, prometera votar em Renan. Hoje, dizia pender  para Silveira.

– Atualização feita às 18h10 deste domingo (1): no Senado, prevaleceu Renan Calheiros, um processo esperando para acontecer na Operação Lava Jato.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.