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Josias de Souza

Temer refuga conversas sobre o impeachment

Josias de Souza

04/02/2015 07h27

Beneficiário direto do eventual impeachment de Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer foge do tema como gato de água fria. E não é por falta de oportunidade. Nas últimas 72 horas, o assunto se imiscui nas conversas de Temer pelo menos um par de vezes. Em ambas, o número 2 da linha sucessória cuidou de atalhar seus interlocutores.

Em privado, Temer afirma: se a tese do afastamento de Dilma ganhar fôlego, cuidará para que o PMDB sustente o que chama de "indenidade do sistema democrático." No português das ruas, "indenidade" é a qualidade do que não sofreu perda ou dano. Quer dizer: para o vice de Dilma, não se enxerga no horizonte nada que justifique a ruptura do mandato que as urnas conferiram a Dilma.

Na noite de segunda-feira (2), em jantar oferecido por Temer aos caciques do PMDB, um índio do partido pronunciou a palavra proibida. Chama-se João Henrique de Alemeida Sousa. Foi ministro dos Transportes em 2002, último ano da gestão tucana de FHC. Mencionou à mesa um parecer do jurista Ives Gandra da Silva Martins. Na peça, Gandra sustenta que há, sim, no escândalo da Petrobras elementos suficientes para fundamentar um pedido de impeachment de Dilma.

Temer não ignorava a posição de Ives Gandra. Mas absteve-se de comentá-la. Diria mais tarde, sempre longe dos refletores, que, embora respeite o autor do parecer, discorda das conclusões dele. Realçou que um processo de impedimento de presidente da República depende muito mais de questões políticas do que de condicionantes jurídicas. Algo que o próprio Ives Gandra reconhece.

Na véspera, reunido com correligionários no Palácio do Jaburu, sua residência oficial, Temer fora alertado para uma novidade que, se confirmada, tem potencial para eletrificar a conjuntura política. Informou-se ao vice-presidente que Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, tornou-se um delator premiado. Apontado como coordenador do cartel de empreiteiras que pagou propinas na Petrobas, o personagem teria envolvido Lula e Dilma no escândalo.

De novo, Temer recusou-se a dar asas à conversa sem ter conhecimento do teor dos depoimentos de Ricardo Pessoa. Suprema ironia: ignorado por Dilma, esquecido num gabinete do edifício anexo ao Palácio do Planalto, tratado pelo petismo como um vice cada vez mais versa, Temer exibe o comportamento de um aliado de mostruário.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.