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Josias de Souza

Cunha: PT tem direito a posição na mesa da CPI

Josias de Souza

16/02/2015 04h30

Apontado como artífice de um acordo que acomodará o PT na relatoria da CPI da Petrobras, o presidente da Câmara Eduardo Cunha declara: "Não decidi nada. Até porque não cabe a mim decidir. Cabe aos líderes dos partidos." Reconhece, porém, que o líder petista Sibá Machado reivindicou a cadeira de relator para o seu partido. E faz uma rara observação favorável ao petismo: "O PT tem direito a um posto na mesa da CPI, não se trata de uma concessão."

Conforme noticiado aqui, o posicionamento de Eduardo Cunha em relação à divisão do poder na CPI revoltou parte dos integrantes do bloco partidário que o alçou à presidência da Câmara. Avalia-se que entregar o posto de relator da investigação a um petista equivale a colocar "um vampiro em banco de sangue". Em conversa com o blog, Cunha disse que nenhum correligionário o procurou para reclamar.

Didático, Eduardo Cunha explicou que, no rateio dos cargos na CPI, seu bloco, por majoritário, tem o direito à primeira escolha. Maior legenda do grupo, o PMDB optou por ficar com a presidência da CPI. À frente do segundo maior bloco partidário, o PT tem o direito regimental de fazer a segunda escolha. Daí ter reivindicado a posição de relator da CPI.

Feitos os esclarecimentos, Eduardo Cunha admite que há um caminho à margem do regimento interno da Câmara. "É claro a decisão é política. A gente pode reunir a maioria da comissão e atropelar. Nada impede que se faça isso. Mas não sei se seria de bom alvitre. Não podemos ignorar que existe um segundo bloco com 160 deputados e que o PT é o maior partido desse bloco."

O repórter recordou a Eduardo Cunha que o bloco liderado por seu partido, o PMDB, acaba de atropelar o regimento para excluir o PT dos postos de comando da comissão especial sobre a reforma política. E ele: "No caso da reforma política, o PT não estava querendo constituir a comissão. A gente atropelou mesmo. O PMDB escolheu a presidência. E cedeu a relatoria ao DEM. Não excluo a hipótese de isso acontecer outras vezes. Mas insisto: não sei se seria de bom alvitre a gente fazer isso em todas as comissões."

Os aliados de Cunha que se opõem à presença do PT no comando da CPI recordam que a experiência revelou-se desastrosa na legislatura encerrada em dezembro. Presidida pelo então senador Vital do Rêgo, um peemedebista fiel ao Planalto, e relatada pelo deputado petista Marco Maia, a CPI mista da Petrobras resultou em fiasco. Na nova CPI, agora exclusiva de deputados, o PMDB cogita confiar a presidência a um parlamentar independente. Mas o PT, com óleo queimado pelo nariz, não indicará um relator, mas um acobertador do petrolão.

Eduardo Cunha diz concordar com a avaliação segundo a qual a CPI do ano terminou em vexame. Mas atribuiu o fiasco ao fato de a comissão não ter conseguido apalpar os depoimentos sigilosos dos delatores premiados da Operação Lava Jato. Tomado pelas palavras, o presidente da Câmara parece recear a repetição do fenômeno.

"Se o procurador-geral da República abrir inquérito contra todo mundo e não apresentar denúncia [contra os acusados que dispõem de prerrogativa de foro], as delações continuarão sigilosas", disse Cunha. "Pela lei, as delaçoes só podem se tornar públicas depois que a denúncia da Procuradoria for aceita pelo STF."

Cunha arrematou: "Enquanto o processo estiver no estágio de inquérito ou de denúncia não transformada em ação penal, ninguém pode conhecer as delações. E creio que será muito difícil fazer a CPI andar sem conhecer as delações. O que matou a CPI mista foi justamente a falta das delações."

O que o presidente da Câmara declara, com outras palavras, é o seguinte: a nova CPI, como a anterior, forçará uma porta que a Operação Lava Jato já arrombou. Supervisionada pelo juiz federal Sérgio Moro, a investigação da Polícia Federal e da Procuradoria da República deu frutos. Sem apalpar os depoimentos dos delatores, os parlamentares girarão como parafusos espanados em torno do nada.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.