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Josias de Souza

Brasil tem muito a desaprender com o Barusco

Josias de Souza

11/03/2015 05h08

O delator Pedro Barusco não disse na CPI da Petrobras nada que já não tivesse declarado à força-tarefa da Lava Jato. Mas a frieza com que discorreu sobre a roubalheira diante das câmeras foi desconcertante. Num instante em que todos os políticos da 'lista de Janot' fazem pose de limpinhos e injustiçados, foi reconfortante assistir ao depoimento de um corrupto sem qualquer atenuante, um bandido acima de qualquer suspeita, um picareta sem o benefício da dúvida.

Ao contar que entesourou na Suíça US$ 97 milhões em propinas amealhadas ao longo de 18 anos de desonestidades, Barusco ressuscitou um velho debate sobre a influência do ambiente na formação de um criminoso. Se há alguém que pode ser considerado um produto do meio é Barusco. Como qualquer pivete aliciado por traficantes, Barusco é o resultado da ilicitocracia que fez da Petrobras uma 'boca' de propinas, um ponto do tráfico de interesses e vantagens.

"Eu iniciei a receber a propina em 97 ou 98", disse Barusco. "Foi uma iniciativa pessoal, minha, junto com o representante da empresa." Culpa da permissividade nacional, que lhe ofereceu todas as facilidades para roubar, garantindo-lhe a impunidade. "De uma forma mais institucionalizada, foi a partir de 2003, 2004. Não sei precisar exatamente a data, mas foi a partir dali", prosseguiu Barusco, como que denunciando a cumplicidade que lhe garantiu o sucesso monetário.

Não fosse pela teimosia do juiz Sérgio Moro e dos procuradores de Curitiba, talvez tivesse continuado como antes. Gente como Barusco não poderia esperar senão mais tolerância e estímulo à delinquência. Sobretudo depois que o PT, partido do Poder longevo, mordeu "entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões."

Os inquisidores petistas exigiram provas. E Barusco: "O que eu disse foi que eu estimava. Estimava que, por eu ter recebido a quantia que está divulgada, como o PT, na divisão da propina, tinha —ou cabia a ele receber o dobro ou um pouco mais—, que eu estimava que ele poderia ter recebido o dobro. Se eu recebi, por que que os outros não teriam recebido?"

Barusco se apropriava de 0,5% da propina de cada contrato firmado na sua área. O PT abocanhava 1%. Coisa acertada entre o então diretor de Serviços Renato Duque e o tesoureiro do PT João Vaccari. "Existia, vamos dizer, uma reserva de propina, uma reserva para o PT receber. Se ele [Vaccari] recebeu, da forma que recebeu, eu não sei."

Súbito, Renato Duque, o superior hierárquico de Barusco, pediu à empresa holandesa SBM R$ 300 mil para as arcas eleitorais da campanha de Dilma. "Aqueles 300 mil que eu disse, na área de reforço de campanha, foi na campanha presidencial de 2010".

O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) perguntou ao delator se ele conhecia o mentor da petrorroubalheira. E Barusco: "A cabeça do negócio, eu também não sei dizer. Eu sei as pessoas que eu citei. Não havia um único, vamos dizer assim, responsável." Fabuloso! Só havia beneficiários, não responsáveis.

Perguntou-se a Barusco se as empreiteiras eram achacadas, como alegam seus executivos? "Fico procurando na minha mente, na minha memória e não encontro caso nenhum", declarou o delator. "Era uma relação normal, que se acordavam. Nunca vi extorsão." Tanta normalidade só poderia resultar no meio apodrecido que fez da Petrobras essa jazida de Baruscos.

O Brasil tem muito a desaprender com Barusco antes de deixar de ser uma gigantesca caverna de Ali-Babá. Para se tornar sério, o país terá de desaprender como construiu essa promiscuidade que mistura dinheiro fácil e poder farto. Terá de desaprender como formou as alianças do banditismo empresarial com o amoralismo político. Quer dizer: terá de recomeçar do zero.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.