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Josias de Souza

Oba-oba da CPI com Cunha escancara incapacidade da Câmara de depurar-se

Josias de Souza

12/03/2015 17h01

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O tempo está nublado em Brasília. Nas nuvens e no cenário político as condições climáticas sujeitam a Capital a chuvas e trovoadas. Na CPI da Petrobras, porém, prevalece outro tipo de atmosfera. Ali, o clima é de oba-oba. Signifca que, dependendo do depoente, o ímpeto investigativo dos membros do colegiado diminui.

Nesta quinta-feira, a CPI ouviu o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Ele é um dos políticos que respondem a inquérito no STF por suspeita de receber propinas provenientes da Petrobras. Seus colegas não lhe fizeram muitas perguntas. Ao contrário, brindaram-no com rasgados elogios. Na prática, líderes governistas e oposicionistas entregaram a Cunha um atestado prévio de bons antecedentes.

O líder do PSDB, deputado Carlos Sampaio, um dos mais elogiosos, chegou mesmo a sentenciar: "Vossa excelência não perde em momento nenhum a autoridade para presidir essa Casa." Foi endossado por praticamente todos os outros líderes, exceto o do PSOL, Ivan Valente.

Cunha oferecera-se para saciar as curiosidades da CPI. Mas o clima de oba-oba acaba com as dúvidas. Elimina também a divisão entre o certo e o errado. Resta apenas uma vaga noção do que é conveniente e inconveniente.

O presidente da Câmara fez uma longa exposição. Nela, atacou o procurador-geral da República. Disse que Rodrigo Janot o incluiu na lista de investigados leviana e irresponsavelmente, sob influência do governo. "Querem transferir a crise do outro lado da rua para cá", declarou, referindo-se ao pedaço de asfalto que separa o Palácio do Planalto do Congresso." Cunha foi muito aplaudido.

As palmas expressaram a concordância da maioria com a teoria conspiratória do presidente da Câmara. O que inclui aceitar a suposição de que participam do complô, além de Janot, os delegados e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato, que colecionaram os indícios; o juiz Sérgio Moro, que remeteu os dados para Brasília, e até o ministro Teori Zavascki, que abriu o inquérito contra o deputado no STF.

Havia muito a ser perguntado e debatido na audiência com Cunha. Mas sob o clima de oba-oba perguntas e debates são coisas de chatos que querem estragar a festa. Esse tipo de gente destoa do ambiente. Ficou entendido que a Câmara continua a mesma.

O STF empurrou para dentro do escândalo 47 políticos, dos quais 22 deputados federais e 12 senadores em pleno exercício dos seus mandatos. Podem ser honestas figuras. Mas paira sobre todos eles uma roliça interrogação.

A despeito disso, Eduardo Cunha e os colegas que o aplaudiram avaliam que a crise está apenas do outro lado da rua. Quer dizer: se alguém esperava que o novo escândalo despertasse no Legislativo um desejo de autodepuração, pode tirar o pangaré da chuva. O clima continua sendo de oba-oba.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.