Cinco pecados que levam Dilma a temer as ruas
Poucos brasileiros são capazes de entender a situação político-econômica em que o país foi metido. Mas basta entrar num salão de cabeleireiro ou num boteco que ela está lá. Dilma Rousseff tem feito de tudo —de viagens a pronunciamentos— para reverter a onda de descrédito que engolfa sua gestão. Mas parece que tudo não quer nada com a presidente.
O panelaço de domingo passado e as vaias que passaram a perseguir Dilma soaram como prenúncios de uma deterioração do cenário. Um pedaço do país passou a avaliar que o desespero é uma alternativa melhor do que a esperança. Daí os protestos que se converteram na trilha sonora da presidente na semana passada.
Dilma é 100% responsável pela deterioração das expectativas. Ela usufrui do privilégio de escolher seu próprio caminho para o inferno. Vai abaixo uma lista com os cinco pecados que levaram a presidente da República até o purgatório em apenas 74 dias de existência de sua segunda gestão.
1. Diálogo: as urnas de 2014 deram um aviso muito nítido. Após prevalecer sobre Aécio Neves por uma diferença de pouco mais de 3 milhões de votos, Dilma presidiria um país rachado ao meio. No discurso da vitória, a presidente reeleita soou como se tivesse captado a mensagem: "Essa presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo."
Dilma acrescentara: "Em lugar de ampliar divergências, de criar um fosso, tenho forte esperança que a energia mobilizadora tenha preparado um bom terreno para a construção e pontes. O calor liberado no fragor da disputa pode e deve agora ser transformado em energia construtiva de um novo momento no Brasil."
Isso foi há quatro meses e meio. E Dilma não conseguiu dialogar nem com as forças políticas que integram a sua coalizão, que dirá com a oposição. Na definição de um aliado, "a presidente considera que o bom diálogo é quando ela obriga o outro a calar a boca".
2. Cavalo de pau: numa campanha baseada no marketing, é inevitável que a disputa eleitoral tenha um quê de teatro. Dilma, porém, exagerou na cenografia. Num vale-tudo que fez lembrar os golpes baixos desferidos por Fernando Collor contra Lula na sucessão de 1989, ela desconstruiu Marina Silva e Aécio Neves. E vendeu ao eleitorado o passaporte para uma Pasárgada que sabia inexistir.
Empossada, Dilma realizou manobra muito parecida com um cavalo de pau. Deu uma freada brusca na fantasia, fez uma guinada na direção do realismo fiscal e derrapou até dar meia volta e parar o seu governo em posição invertida. Tudo isso com um eleitor de Aécio ao volante: o ministro Joaquim Levy (Fazenda). Verificou-se que aquilo que Dilma vendia como o caminho certo era, na verdade, a contramão. E a presidente achou que não devia nada aos brasileiros, muito menos explicações.
Consolidou-se no imaginário da plateia a sensação de que o Brasil elegeu no ano passado a melhor encenação, não o melhor projeto para o país. O estrago foi detectado pelo Datafolha em pesquisa divulgada no início de fevereiro. A grossa maioria dos entrevistados disse acreditar na alta da inflação (81%) e do desemprego (60%). De cada dez pessoas, seis avaliam que Dilma mentiu durante a campanha eleitoral. Metade do país enxerga a presidente recém-reeleita como falsa (54%), indecisa (50%) e até desonesta (47%). A taxa de aprovacão de Dilma despencou de 42% para 23%.
3. Déficit estético: em dezembro, ao ser diplomada no Tribunal Superior Eleitoral, Dilma discusou por 16 minutos e 17 segundos. Pronunciou a palavra Petrobras oito vezes. Repetiu o vocábulo corrupção seis vezes.
Doze anos depois da chegada do PT ao poder federal, Dilma estufou o peito e bradou: "Chegou a hora de firmarmos um grande pacto nacional contra a corrupção, envolvendo todos os setores da sociedade e todas as esferas de governo. Esse pacto vai desaguar na grande reforma política que o Brasil precisa promover a partir do próximo ano."
Dilma deixou claro que os brasileiros poderiam contar com ela: "O que mais quero oferecer ao meu país é a luta renovada…". Reiterou seu "compromisso com a ética". Jactou-se de ser um "exemplo de integridade e de honestidade pessoal." E realçou sua inabalável "determinação de apurar e punir todo tipo de irregularidades e malfeitos."
Quem tem dois neurônios ativos percebe que o discurso ético da presidente não faz nexo. Excetuando-se o tucano Antonio Anastasia, os 48 políticos engolfados pelo petrolão são governistas. Com todo o seu "compromisso com a ética" e sua "honestidade pessoal", Dilma não farejou a petrorroubalheira nem quando foi presidente do Conselho de Administração da Petrobras.
De duas, uma, raciocinam os brasileiros: ou Dilma é cínica ou é incompetente. Em nenhum dos casos ela é a supergerente que Lula vende desde 2010. Quando a economia vai bem, o déficit estético dos governos tende a ser ignorado. Num ambiente que combina inflação alta com estagnação econômica, sobrando mês no fim do salário, fica difícil conter a revolta das praças ao assistir um Pedro Barusco confessando diante das câmeras da CPI da Petrobras que entesourou propinas de US$ 97 milhões em bancos na Suíça.
O Datafolha verificou que a maioria dos brasileiros acredita que Dilma sabia da corrupção na Petrobras (77%). E permitiu que a roubalheira corresse solta (52%). Quer dizer: o grande problema de Dilma nessa matéria é que um pedaço do país é incapaz de reconhecer a serventia da propalada honestidade da presidente. E a madame é incapaz de demonstrá-la. O pacto nacional anticorrupção de que falava há três meses sumiu do discurso oficial.
4. Renandependência: nunca um presidente começou tão por baixo quanto Dilma nesse início de segundo mandato. Vem daí que a presidente compôs uma equipe ministerial loteada e convencional. A despeito disso, coleciona derrotas no Legislativo. Os ministros partidários não conseguem retribuir as respectivas nomeações com os votos de suas legendas no Congresso.
Para complicar, Dilma e os conselheiros petistas que a rodeiam decidiram fustigar o PMDB. Converteram o vice Michel Temer em versa. E encomendaram aos ministros Gilberto Kassab (Cidades) e Cid Gomes (Educação) a costura de uma nova maioria congressual que não fosse tão dependente do PMDB. Faltou combinar com os russos.
O PMDB reelegeu Renan Calheiros para a presidência do Senado. Na Câmara, atravessou no caminho do governo o deputado Eduardo Cunha. Abalroada pelo petrolão, a dupla tornou-se uma usina de maquinações contra o Planalto. Em condições normais, Dilma reagiria como Dilma. Enfraquecida, ela adotou como estratégia engolir todos os sapos que o PMDB lhe serve.
Dilma afaga Temer, digere Cunha e corre atrás de Renan. Sofreu um rebaixamento político. No primeiro mandato, era lulodependente. Hoje, convive também com a renandependência
5. Apagão retórico: não bastasse a sucessão de manobras desastradas, Dilma decidiu cutucar com vara curta o saco cheio nacional. No domingo passado, invadiu os lares dos brasileiros. Entrou pela porta da televisão e despejou sobre o tapete da sala-de-estar 15 minutos de empulhação. Atribuiu as "dificuldades momentâneas" impostas aos brasileiros à crise internacional e a São Pedro, que manda pouca chuva. Autocrítica? Só a favor. Resultado: o pronunciamento de madame foi esquecido. O que entrou para a história da presidência dela foi o panelaço —uma espécie de prévia para este domingo de protestos. Mesmo sem saber qual seria o tamanho do rugido, Dilma passou a semana com medo do asfalto.
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