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Josias de Souza

Crise expõe a inutilidade dos partidos políticos

Josias de Souza

17/03/2015 04h59

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A crise que levou centenas de milhares de brasileiros às ruas no domingo pode matar uma curiosidade que atormenta a nação desde a primeira missa: quando começa o caos? Não adianta mais tapar o sol com a peneira. Na democracia brasileira, projeto político que sai pelo ladrão, os partidos perderam a função. Costumavam representar grupos ou corporações. Hoje, representam apenas a si próprios. Compõem uma superestrutura 100% financiada pelo déficit público. Muitos tornaram-se organizações criminosas.

"A corrupção não nasceu hoje", disse Dilma Rousseff em sua primeira manifestação pública depois do 'asfaltaço' de 15 de março. "Ela não só é uma senhora bastante idosa nesse país como não poupa ninguém. Pode estar em tudo quanto é área, inclusive no setor privado. O dinheiro tem esse poder corruptor… Não vamos achar que tenha qualquer segmento acima de qualquer suspeita. Isso não existe." Dilma tem razão. Sempre houve grande confusão entre o público e o privado no Brasil. A diferença é que agora há uma radicalização.

O PT ilustra o fenômeno de forma paradigmática. Noutros tempos, a legenda de Dilma e Lula fazia pose de freira em porta de bordel. Hoje, administra uma pornocoligação. O que a presidente declarou, com outras palavras, foi que seus apoiadores roubam. Mas a oposição, que não está acima de qualquer suspeita, não é imune à sedução da 'velha senhora'. Dilma disse essas coisas em resposta a uma pergunta sobre comentário que o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara, fizera horas antes.

"É bom deixar claro que a corrupção não está no Poder Legislativo", afirmara Cunha. "A corrupção está no Executivo. Se eventualmente alguém no Poder Legislativo se aproveitou da situação para dar suporte político em troca de benefícios indevidos é porque esses benefícios existiram pela falta de governança do Poder Executivo, que permitiu que a corrupção avançasse." Nessa surpreendente formulação, os cofres desprotegidos da República são meras oportunidades que os congressistas aproveitam.

Considerando-se que o STF abriu inquéritos contra 34 parlamentares por suspeita de recebimento de propinas na Petrobras —entre eles o próprio Eduardo Cunha— a plateia fica autorizada a perguntar para os seus botões: "O caos já começou?" O quadro é de uma simplicidade estarrecedora. O que o presidente da Câmara afirmou, à sua maneira, foi o seguinte: os parlamentares podem ter assaltado o Tesouro. Mas a culpa é do governo, que deu mole. Ou, por outra: não é que o crime não compensa. É que, quando compensa, muda de nome. Chama-se descuido do assaltado.

Suprema maldade: a perversão partidária disseminou-se de tal maneira que roubaram do brasileiro até a delicadeza da dissimulação, do cinismo. A atmosfera de beco-sem-saída sonega ao contribuinte o direito à mentira. É como se, corrupção a pino, os partidos quisessem apressar a chegada ao caos. Logo, logo, quando o último filiado do derradeiro partido roubar a luz na saída, será possível construir um Brasil inteiramente novo. Caos não vai faltar.

Dilma disse que sua geração deu a vida para que o povo pudesse manifestar suas opiniões livremente nas ruas. Verdade. Mas não precisava fornecer a matéria-prima que enche as ruas! Irado, o asfalto faz as vezes de oposição. E fica boiando na atmosfera uma pergunta: quem vai dar vazão às demandas?

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.