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Josias de Souza

Lula dispara contra Mercadante e acerta Dilma

Josias de Souza

24/03/2015 05h58

O PT ainda é um partido diferente dos demais. Os outros têm excesso de cabeças e carência de miolos. Nos seus 12 anos de poder federal, o PT provou que sofre da mesma carência. Mas com uma cabeça só. A palavra de Lula tem peso de sentença. E o todo-poderoso sentenciou que o governo Dilma está politicamente zonzo por culpa de Aloizio Mercadante. O veredicto é equivocado.

Nada mais injusto do que atribuir ao chefe da Casa Civil a responsabilidade pela embriaguês política do Planalto. Se 10% das ideias que atribuem a Mercadante tiverem saído mesmo da cabeça dele, pode-se afirmar que o ministro correspondeu a todas as expectativas de quem não esperava nada dele. Mas quem preside a implementação dos conselhos é madame, não o conselheiro.

Mercadante saiu-se com a ilusão de que Gilberto Kassab e Cid Gomes recrutariam uma infantaria parlamentar capaz de fazer do PMDB uma tropa de achacadores irrelevantes. Mas foi Dilma quem colocou a dupla dentro de dois dos mais cobiçados cofres da Esplanada —Cidades e Educação. Deu tudo errado. Cid já se foi. E Kassab dedica-se a jurar em entrevistas que Mercadante continua prestigiado. Lorota.

Espremida por Lula, Dilma desossa Mercadante. Suprimiu-lhe a atribuição de conselheiro aleatório para assuntos econômicos desde a chegada de Joaquim Levy à pasta da Fazenda. Desobrigou-o da articulação política depois que dois desafetos do ministro —os peemedebistas Eduardo Cunha e Renan Calheiros— passaram a rosnar para o Planalto, impondo humilhações e derrotas em série à presidente.

É forçoso reconhecer: desde que o PT chegou ao poder, a Casa Civil da Presidência da República tornou-se a morada preferida da urucubaca. As seis pessoas que passaram pela poltrona deveriam ter despachado apenas às sextas-feiras, numa encruzilhada. De preferência acompanhados por um assessor tranca-ruas. Como não fizeram isso…

José Dirceu foi parar na cadeia. Dilma tornou-se uma presidente hemorrágica. Erenice Guerra saiu pelos fundos, empurrada pela suspeição. Antonio Palocci foi implodido por um patrimônio inexplicável; Gleisi Hoffmann é perseguida por um 'youssefiana' de R$ 1 milhão. Que surpresas o azar reserva para Mercadante? Por ora, apenas a marcação cerrada de Lula.

Lula alveja Mercadante por duas razões. Uma é secundária: conhecendo-o há mais de três décadas, aprendeu não gostar dele. Outra, preponderante: convenceu-se de que o companheiro cometeu o mesmo erro de José Dirceu: enxergou a Casa Civil como trampolim para chegar à Presidência da República. E Lula, por imperial, não admite o surgimento de outra palmeira , ainda que débil, no gramado.

Dilma mantém Mercadante no cargo também por duas razões. Uma secundária: adora a fidelidade do auxiliar. Outra, primordial: tendo se livrado de Gilberto Carvalho, não gostaria de enfiar dentro do Palácio do Planalto um novo espião de Lula. É como se a criatura tentasse atenuar os efeitos da tutela do criador. Tudo isso num instante em que a autoridade da presidente se liquefaz. Haja urucubaca!

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.