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Josias de Souza

Dilma diz que Brasil exportará petróleo em 2020

Josias de Souza

02/04/2015 03h58

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Há na praça duas estatais chamadas Petrobras. A mais conhecida encontra-se pendurada de ponta-cabeça nas manchetes policiais. Com os cofres profanados no maior caso de corrupção já visto no país, tem dificuldades até para fechar um reles balanço.

A outra Petrobras é uma companhia de fábula. Surgiu do gogó de Dilma Rousseff, numa entrevista à Bloomberg, agência de notícias americana. Essa nova Petrobras está na bica de tornar-se autossuficiente na produção de óleo. Em cinco anos, passsará da condição de importadora para a de exportadora de petróleo.

Gravada na terça-feira, a entrevista de Dilma, disponível acima, veio à luz nesta quarta. Uma data sintomática: 1º de abril, o Dia da Mentira. "A Petrobras, hoje, ultrapassou as suas dificuldades técnicas", disse a presidente a certa altura. "As dificuldades técnicas diziam respeito ao aumento na produção de petróleo."

Retomando um discurso do tipo 'Brasil grande', muito comum nas gestões do padrinho e antecessor Lula, a presidente anunciou: "Estamos, progressivamente, voltando à condição de, primeiro, autossuficiente. E, depois, nós viraremos exportadores." Noutro ponto da conversa, Dilma soltou uma frase a esmo: "Nós acreditamos que o Brasil será um exportador de petróleo até 2020."

Depois de amargar quedas na produção em 2011 e 2012, a Petrobras teve de "reaglutinar alguns empreendimentos e refazer a curva de produção", afirmou Dilma. Mas os problemas da estatal acabaram. "Estamos produzindo 2,1 milhões de barris/dia", ela comemorou. "Só a Petrobras, sem contar as demais empresas que produzem no Brasil."

Dilma soltou mais fogos: "A boa notícia nisso tudo é que no pré-sal, que era um desafio, nós já passamos de uma produção média de 300 mil barris para uma de 660 mil barris." Não é só: o óleo extraído das profundezas exibe uma qualidade "melhor do que a gente esperava."

Enquanto a autossuficiência não chega, "uma parte dessa produção vai significar uma redução bastante grande das nosssas importações de petróleo", acrescentou Dilma. Nesse ponto, ela fez uma rara concessão à realidade: "Não acredito que isso se dê de forma súbita. Mas vai ser sistemática, ao longo do tempo."

A Operação Lava Jato ainda não concluiu a lavagem. Mas Dilma já começa a enxergar a petrorroubalheira pelo retrovisor. "No que se refere à governança, eu acho que nós estamos ultrapassando os desafios da nossa gestão através de várias medidas de compliance [respeito às leis e aos regulamentos]", declarou, antes de assegurar que o balanço da Petrobras sairá "até o final de abril".

Desde o último trimestre de 2014 que a estatal petroleira não consegue exibir uma escrituração, um demonstrativo financeiro. Tem dificuldades para estimar quanto foi surrupiado dos seus cofres. Coisa superada, assegurou Dilma: "Tenho certeza que a Petrobras conseguirá resolver todos os seus problemas até o final de abril. A nova direção da Petrobras e o novo conselho estão caminhando para construir essa solução. Isso eu posso te assegurar."

Embora presidisse o Conselho de Administração da Petrobras no auge da pilhagem, Dilma sempre tangenciou o escândalo à moda Lula, escapando pela porta do "eu não sabia". Na conversa com a Bloomberg, ela foi instada a explicar-se.

Embromou: "Nós tivemos uma investigação que está envolvendo toda a Polícia Federal do país, o Ministério Público Federal, todo o Judiciário para descobrir até o fundo o que ocorreu dentro da Petrobras. Não era pura e simplesmente uma questão de gestão." Suspeita-se que Dilma tenha desejado declarar que o roubo foi tramado de fora para dentro da estatal, não o contrário.

Ela tomou distância: "Você veja que os dois presidentes [José Sérgio Gabrielle e Graça Foster] não tem nenhuma evidência do envolvimento deles. O Conselho [de Administração] era integrado por empresários bastante qualificados, não era só por mim. Eu era presidente junto com vários grandes empresários brasileiros."

Mas não viu nem um sinal de que algo desandava? "Nenhum de nós sequer viu um sinal. E quem descobre os sinais foi uma investigação de crime de lavagem de dinheiro, de manipulaçao de reservas. É assim que começa a história. E se descobre por essa questão, não investigando a Petrobras."

Dilma reiterou: "Não se trata de uma prática de gestão pura e simplesmente dentro da Petrobras." Nesse ponto, ela se animou a dizer o que se passava na estatal que sempre esteve sob seus cuidados, desde que foi nomeada ministra de Minas e Energia no primeiro reinado de Lula.

"Tudo indica que envolve formação de cartel, envolve corrupção de funcionários…" Como se sabe, envolve muito mais coisa. Dilma, porém, se absteve de dizer que envolve também a decisão, tomada sob Lula, de mercadejar diretorias da Petrobras no balcão das baixas negociações políticas, entregando-as ao PT, ao PMDB e ao PP. Envolve a permanência no comando da Transpetro, por 12 anos, de um apaniguado de Renan Calheiros. Envolve a cegueira cúmplice dos que nunca souberam de nada.

Nesse ponto da entrevista, após sonegar aos entrevistadores a maior parte dos elementos que compõem o escândalo, Dilma pronunciou uma as frases mais desconexas de toda sua presidência. Repare:

"E esta é uma questão que, necessariamente, pra essa dimensão, nao é, vamos dizer…, uma questão que, ahhhh.. impedir a corporaaa…, ahhh… impedir que a corporação cometa, éééé, irregularidades, você segura."

Dilma foi se reconciliando com sua língua os poucos: "Essa é uma questão que envolve também, no Brasil, a construção de um ambiente de não-impunidade", ela disse. Jactou-se: "Pela primeira vez foi aprovada uma lei que pune o corruptor e o corrupto. Pela primeria vez no Brasil nós vamos também, agora, por iniciativa do governo, criminalizar o caixa dois de campanha."

Quem ouve Dilma fica tentado a perguntar aos seus botões: 1) Se a impunidade imperava no país e não havia nem mesmo uma lei que alcançasse corruptos e corruptores, como conseguiu o STF enviar para a Papuda a bandidagem do mensalão, incluindo a cúpula do PT. 2) Se a ideia é criminalizar o caixa dois, como enquadrar as propinas auferidas pelo PT no petrolão depois que o partido lavou-as na Justiça Eleitoral com o sabão das "doações legais"?

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.