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Josias de Souza

Dilma chega aos 100 dias sofrendo de 'Levydependência' e rendida ao PMDB

Josias de Souza

10/04/2015 05h40

Líderes do DEM, PSDB e PPS celebram na Câmara os "Sem Dias de Dilma 2"

No dialeto dos economistas, a palavra meltdown é usada para descrever a situação terminal de economias que fogem ao controle e derretem. O termo foi adaptado. Na versão original, serve para designar usinas nucleares que se autodestroem quando seus reatores entram em combustão. Na noite passada, um ministro readaptou a expressão para traduzir o estágio atual do segundo governo de Dilma Rousseff. A presidente chega à marca dos cem dias em meio a um processo de meltdown. Impotente, ela assiste ao derretimento do seu poder.

Na economia, Dilma já havia acomodado o futuro de sua gestão nas mãos de tesoura de Joaquim Levy, que se dedica na Fazenda a desfazer a ilusão de estabilidade vendida pelo petismo na campanha presidencial do ano passado. Na política, a semana terminou com Dilma jogando tudo para o alto e se entregando a Michel Temer. A articulação com o Congresso migrou da Casa Civil de Aloisio Mercadante para o gabinete do vice-presidente da República. A plateia ficou com a impressão de que caberá ao PMDB decidir se Dilma vai derreter ou não.

Ao empossar-se no segundo mandato, em janeiro, a presidente reeleita ainda alimentava a ilusão de que presidiria. Na economia, demorou a expressar em público o apoio às medidas amargas do ajuste fiscal de Joaquim Levy. Na política, cercou-se de conselheiros petistas, desprezou Temer e adotou um plano para minar o poderio dos peemedebistas. Terminou sitiada pelo PMDB, que acomodou Renan Calheiros e Eduardo Cunha nas presidências do Senado e da Câmara. Encrencada na Operação Lava Jato, essa dupla se dedica a emboscar o governo e a empinar projetos com algum apelo popular.

Cavalgando a insatisfação dos partidos governistas com a autossuficiência de Dilma, Renan e Cunha tornaram, por assim dizer, irrelevantes os partidos de oposição. Que se desdobram para retomar o protagonismo. Nesta quinta-feira, os líderes oposicionistas na Câmara recorreram à ironia para demarcar a ultrapassagem da data mágica dos cem dias. Os deputados Mendonça Filho (DEM), Carlos Sampaio (PSDB) e Rubens Bueno (PPS) divertiram-se ao redor de um bolo preto com inscrições cáusticas em vermelho: "Sem Dias de Dilma 2".

Responsável pela encomenda do bolo, Mendonça Filho elevara o tom desde a véspera. "A presidente abriu mão de governar", dissera o líder do DEM, no calor do anúncio de que Dilma terceirizara a articulação política do Planalto a Temer. "É preciso que alguém avise que, constitucionalmente, ela ainda está na chefia do governo. Dilma terceirizou tudo, a economia e a política."

O senador Aécio Neves, presidente do PSDB, adotou o mesmo tom: "A presidente fez uma renúncia branca. Ela não renunciou ao cargo, mas renunciou ao governo. Esse é o fato concreto. Nós vamos ter que viver a partir de agora essa nova experiência do presidencialismo sem presidente."

Sob denúncias de corrupção e com a gestão tisnada pelo envelhecimento precoce, Dilma não usufruiu da trégua que costuma ser concedida a todo governante em início de mandato. Foi bombardeada até por Lula que, em privado, desanca sua administração e se queixa de não ser ouvido. As críticas aumentaram na proporção direta da queda da popularidade de Dilma, hoje uma presidente minoritária, aprovada por apenas 13% dos brasileiros, segundo o Datafolha.

Nunca um governo começara assim, tão por baixo. No alto mesmo, apenas os juros, a inflação e a temperatura do asfalto. A exemplo do que sucedera às vésperas dos protestos de 15 de março, Dilma atravessa uma fase de TPM —tensão pré-manifestação. As redes sociais convocam um novo ronco para este domingo (12). Mãos postas, a presidente e seus auxiliares rezam para que menos gente desça ao meio-fio. Sob pena de apressar o meltdown.

Convertida pelas circunstâncias numa presidente sem marca, Dilma atenua suas resistências ideológicas e aprende a engolir sapos. Hoje, está 110% comprometida com o arrocho fiscal de Joaquim Levy, que lhe capturou a aura na economia. Na política, torna-se cada vez mais concessiva. Acaba de autorizar Temer a reabrir o balcão de cargos e verbas, onde costumam se formar os escândalos. Espera-se que a operação renda ao governo a aprovação no Congresso do ajuste fiscal de Levy, ainda neste mês de abril. Essa votação é tida como vital para que o governo tome um pouco de ar.

Dilma agora só dispõe de três anos e 265 dias para esboçar uma reação capaz de deter o derretimento

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.