Topo

Josias de Souza

Renan morde Dilma e faz pose para trabalhador

Josias de Souza

28/04/2015 18h32

Tratado pelo governo à base de brioches desde as duas gestões de Lula, Renan Calheiros serve para Dilma Rousseff o pão que o Tinhoso amassou. O presidente do Senado nunca foi reconhecido como um aliado da CUT. Mas se Deus o intimasse a optar entre o ajuste fiscal de Dilma e a pauta de reivindicações da central sindical vinculada ao PT, Renan daria a seguinte resposta fulminante: "Dane-se o governo". E ficaria claro que, para o senador, só o trabalhador existe, o resto é paisagem.

Nesta terça-feira, o ministro Joaquim Levy (Fazenda) foi ao gabinete de Renan para expressar suas inquietações com a tramitação do chamado ajuste fiscal do governo. Encerrada a conversa, Renan fez pose diante dos refletores: "Lembrei ao ministro que o que o Congresso tem buscado é a qualidade do ajuste. Estamos preocupados com o 'como', não com o 'quanto'. Um ajuste fiscal tem que cortar no Estado, tem que fazer a reforma do Estado."

Renan deu, por assim dizer, uma pedalada na panelaçofobia de Dilma. "Esse ajuste não é fiscal, é trabalhista", disse o senador, tirando mais uma casquinha da impopularidade da ex-aliada. "A presidente não pode fazer isso. Se fizer, vai continuar não tendo condições de falar" em rede nacional de rádio e tevê no 1º de Maio, Dia do Trabalho. Debilitado, o governo suaviza seu pacote no Congresso. E o trabalhador fica com a sensação de que deve algo a Renan.

A política é feita de poses. Mas Renan exagera. Desde que foi incluído na lista de investigados da Lava Jato, o presidente do Senado tornou-se uma sucessão de poses. Renan vinha fazendo poses genéricas para a rua. Dilma deu-lhe a oportunidade de refinar o foco. Ele agora faz pose para os trabalhadores ao acordar, ao escovar os dentes, ao pentear o cabelo implantado, ao tomar café da manhã. Brasília nunca esteve tão surreal. Uma presidente do PT oferece matéria-prima para que um suspeito da Lava Jato faça pose de baluarte da classe trabalhadora.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.