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Josias de Souza

Votações do Congresso viram balé de elefantes

Josias de Souza

25/06/2015 16h26

Os supostos aliados do governo no Congresso adotaram como lema uma frase de John Kennedy virada do avesso. O ex-presidente americano disse aos seus compatriotas: "Não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país." Os parlamentares governistas gritam para Dilma: "Não pergunte o que podemos fazer por você. Pague as emendas orçamentárias, assine as nomeações e vê se não chateia."

A Casa Civil de Aloizio Mercadante retém nomeações que a articulação conduzida por Michel Temer prometeu. E a Fazenda de Joaquim Levy sentou em cima de algo como R$ 5 bilhões em emendas cuja liberação os governistas exigem. Com a lealdade a Dilma já bem cansada, os congressistas transformam as votações num bale de elefantes. No penúltimo movimento da coreografia, a Câmara estendeu o reajuste do salário mínimo a todos os aposentados.

Entre todos os espantos que a decisão suscita, o mais surpreendente foi a súbita conversão de Eduardo Cunha em heroi da resistência. Líder da manada, o presidente da Câmara disse que os elefantes rebeldes passaram dos limites. "Essa aprovação realmente causa um prejuízo ao país, foi feita de forma equivocada. É bom que se chame à consciência de que tudo tem um limite."

Cunha soou assim, compreensivo, porque está muito bem atendido noutra votação, relatada por seu pupilo Leonardo Picciani, líder do PMDB. A mesma Fazenda que faz jogo duro nas emendas, amoleceu na negociação que resultou na exclusão de certos setores econômicos do projeto que reonera a folha salarial que o governo havia desonerado. O texto-base dessa proposta foi aprovado na noite de quarta. As emendas estão sendo analisadas nesta quinta.

Com FHC e Lula a rotina do governo era mais tranquila. O Planalto remunerava a fidelidade e contava os votos. Sob Dilma, a Presidência perdeu sua capacidade de persuasão. Nos tempos de popularidade confortável, a presidenta sapiens tratava os aliados a pontapés. Hoje, com a taxa de aprovação na irrisória marca dos 10%, Dilma colhe a tempestade perfeita semeada pelos ventos que ela soprou.

Na oposição, PSDB e seus satélites comportam-se como o PT dos velhos tempos. Mandam às favas a racionalidade. É prejudicial ao governo? Sou a favor. Quanto aos governistas, podem ser contra ou a favor de qualquer coisa. Desde que recebam o combinado. O aceno aos aposentados vai custar R$ 9 bilhões? Pois que Dilma vete, arrostando o preço da impopularidade.

Aqui, a íntegra da lista de votação da emenda que estendeu a todos os aposentados as mesmas regras de reajuste do salário mínimo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.