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Josias de Souza

PT X PT: Pimentel pede a Cardozo que investigue atuação da Polícia Federal

Josias de Souza

29/06/2015 04h36

O governador petista de Minas Gerais, Fernando Pimentel, formalizará nesta segunda-feira junto ao ministro José Eduardo Cardozo, seu companheiro de PT, um pedido de abertura de investigação contra a Polícia Federal. Acusa o órgão de "politizar" uma investigação. Pede a identificação do responsável pelo vazamento de relatório em que a PF o apresenta como suspeito de chefiar uma "organização criminosa". O documento estava protegido pelo "segredo de Justiça".

Ao lado de sua mulher, Carolina Oliveira, Pimentel é protagonista de uma operação que a PF batizou de Acrônimo. Contratou para defendê-lo o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Além de se dirigir a Cardozo, o defensor do governador mineiro protocolará uma petição no gabinete do ministro Herman Benjamin, relator do processo aberto contra Pimentel no STJ. Na peça, ele reforçará o pedido para que sejam apurados o vazamento do texto sigiloso e o que chama de "instrumentalização" do inquérito policial.

Pimentel não é o único petista irritado com a Polícia Federal. Reunida há cinco dias em São Paulo, a Executiva Nacional do PT decidiu convidar José Eduardo Cardozo para dar explicações sobre a desenvoltura com que a PF atua nas operações Lava Jato e Acrônimo. O partido atribui à tibieza do ministro da Justiça a permanência do ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto na cadeia, em Curitiba, e a batida policial feita num escritório político de Pimentel, em Belo Horizonte.

O compartamento do petismo é irracional e paradoxal. É irracional porque Cardozo, mesmo que desejasse, não tem poderes para dirigir inquéritos feitos sob supervisão do Ministério Público, com anuência da Justiça. É paradoxal porque Dilma Rousseff e Lula costumam atribuir a proliferação dos inquéritos anticorrupção à autonomia que seus governos deram à PF. Quando essa autonomia exibe os calcanhares de vidro de companheiros, o PT faz pose de vítima de violações e abusos.

Kakay, o advogado de Pimentel, diferencia sua atuação da iniciativa do PT. "Lutamos muito para que a Polícia Federal tivesse autonomia", afirma. "Não somos contra a investigação. Temos resposta para todas as questões. Nossa contrariedade é com a forma como tudo se deu. A ação da Polícia Federal tem vícios muito nítidos. E causou prejuízos irreparáveis ao governador Pimentel."

Nas petições que encaminhará à pasta da Justiça e ao STJ, Kakay fará um inventário dos alegados "prejuízos". Segundo ele, "a Polícia Federal produziu um relatório político, não técnico." Pediu para fazer busca e apreensão em 34 endereços. A Procuradoria foi a favor de 25. E o ministro do STJ autorizou 17. Excluiu, por exemplo, o BNDES e a sede do governo de Minas."

No trecho que deixou Pimentel e seu advogado mais abespinhados, o documento anota: "Fernando Pimentel seria o chefe da organização criminosa operada financeiramente por Benedito [Oliveira Neto], grupo criminoso este especializado em lavagem de capitais oriundos de desvio de recursos públicos e aplicação de parte dos valores branqueados em campanhas eleitorais…"

Trecho de relatório sigiloso da Polícia Federal reproduzido pela revista Época

Para Kakay, o texto da PF "foi politizado de propósito, para produzir escândalo na imprensa." Ele tachou de "inaceitável" o vazamento do relatório. A revista Época reproduziu trechos. "Numa reprodução, está escrito acima do texto, no cabeçalho da folha: 'segredo de Justiça'. Parece um escárnio", disse o advogado. "Isso é muito grave. Alguém vazou. Não posso fazer acusações. Seria leviano. Mas temos alguns indícios. E vamos pedir que tudo seja apurado."

Pimentel foi à alça de mira da PF em outubro do ano passado. Numa batida realizada no aeroporto de Brasília, agentes federais apreenderam R$ 113 mil em dinheiro vivo dentro de um avião particular. A bordo, entre outros passageiros, o proprietário da aeronave, Benedito Oliveira. Homem de muitos negócios, Bené, como é conhecido, é dono de uma gráfica que prestava serviços à campanha de Pimentel ao governo de Minas.

Puxando o fio dessa meada, a PF deflagrou a Operação Acrônimo. Mirou primeiro em Carolina, a mulher do governador mineiro (foto ao lado). Depois, mediante autorização do STJ, concentrou-se também em Pimentel. Sustenta que o casal está envolvido num esquema operado por Bené. Tenta provar que a dupla praticou os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa.

De acordo com a PF, uma empresa de Carolina, a Oli Comunicação, e uma consultoria que atuou em parceira com ela receberam, entre 2011 e 2014, R$ 3,6 milhões de empresas que são clientes do BNDES. Nessa época, Pimentel era ministro do Desenvolvimento, pasta que carrega o BNDES no seu organograma.

Para a PF, parte desses recursos "poderiam ter, em última análise, como destinatário o então ministro de Estado", ou seja, Pimentel. Ainda de acordo com a PF, os grupos Marfrig e Casino (controlador do Pão de Açúcar) teriam repassado à Oli R$ 595 mil e R$ 362,8 mil, respectivamente.

Embora defenda apenas Pimentel, não a mulher dele, Kakay afirma que a empresa de Carolina não emitiu nenhuma nota em nome do Margrig nem do Casino. Essas empresas contrataram, na verdade, a MR Consultoria, do jornalista e gestor de crises Mário Rosa. Porém, a firma da mulher de Pimentel, uma jornalista sem nenhuma projeção, recebeu R$ 2,4 milhões da MR Consultoria entre 2012 e 2014.

"Quando Mário Rosa contratou a Carolina, em março de 2012, ela já tinha saído do Ministério do Desenvolvimento. Saiu em dezembro de 2011. Abriu a empresa", disse Kakay. Por que o consultor contratou a firma de Carolina? "Isso a Polícia Federal vai ter que perguntar para ele", disse o advogado do governador.

A PF investiga também a suspeita de caixa dois na campanha de Pimentel ao governo de Minas. Benedito Oliveira, o Bené, teria subfaturado serviços gráficos. "A prestação de contas do comitê do governador foi aprovada pela Justiça Eleitoral", afirma Kakay. "Se o Benedito praticou alguma irregularidade é ele quem precisa responder."

Numa evidência dos vínculos que unem o governador mineiro ao amigo Bené, a PF colecionou documentos que mostram que o empresário pagou a estadia de Pimentel e sua mulher no Kiaroa Resort, luxuosa hospedaria assentada na praia baiana de Maraú. Desembolsou R$ 12.127,50 por um final de semana, em 2013. E cedeu o jatinho para que o casal voasse de Brasília para a Bahia.

Segundo Kakay, Carolina é amiga da mulher de Bené, Juliana. Comentou com ela que desejava hospedar-se no tal resort. "A Juliana disse que tinha um crédito naquele hotel. Ela disse para a Carolina: 'usa esse crédito'. Carolina usou. O Pimentel, que era namorado dela, foi junto. De fato, utilizaram o jatinho. Estamos reconhecendo isso. Se é errado ou não, vamos discutir no processo."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.