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Josias de Souza

Até Gleisi sonegou voto ao governo no Senado

Josias de Souza

09/07/2015 06h36

Para compreender a situação do governo no plenário do Senado é necessário um certo distanciamento. Que começa com uma fuga de aliados de Dilma Rousseff do painel de votações. Na noite desta quinta-feira (8), o Planalto esperava que sua tropa votasse contra um reajuste aos aposentados, em defesa dos cofres da Previdência. Vários integrantes da infantaria governista preferiram desertar do placar luminoso. Embora presentes, não digitaram seus votos. Procedeu assim, por exemplo, a petista Gleisi Hoffmann, ex-ministra e amiga de Dilma.

Há no Senado 81 senadores. O painel registrava a presença de 71. Desses, apenas 61 imprimiram suas digitais no painel eletrônico na votação mais importante da noite, a única que foi nominal. O governo perdeu por um placar de 34 votos a 25. Houve uma abstenção. E Renan Calheiros, que presidia os trabalhos, não votou. A lista de votantes pode ser conferida aqui.

Além de Gleisi, escapou do painel gente como o líder do PMDB Eunício Oliveira (CE), a protogovernista Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), a petista Angela Portela (RR), o kassabista Omar Aziz (PSD-AM) e Sandra Braga (PMDB-AM), mulher do ministro Eduardo Braga (Minas e Energia). O número mais bonito da novela de suas governistas existências foi esse que iriam executar no momento em que se auto-excluíram do espetáculo.

Outros atores filiados a legendas governistas também sonegaram votos a Dilma. Mas mostraram a cara. Por exemplo: Paulo Paim (PT-RS), Walter Pinheiro (PT-BA) e Zezé Perrela (PDT-MG). Excluído o líder Eunício, que fugiu, votaram 11 senadores do PMDB de Michel Temer. Sete desses votos foram contra a orientação do governo.

Respirava-se o mesmo cheiro de fim de feira que exalou da sessão que aprovou, na semana passada, o projeto que concedeu aos servidores do Judiciário um reajuste médio de 59,5%. Dessa vez, foi a voto a medida provisória que prorroga até 2019 a regra de reajuste do salario mínimo.

A proposta veio da Câmara com um enxerto que o governo preferia evitar. Os deputados estenderam o reajuste do mínimo a todos os aposentados. Algo com potencial para quebrar a Previdência, segundo o líder do governo Delcídio Amaral (PT-MS), que foi efusivamente vaiado pelas galerias, apinhadas de aposentados.

Os operadores do Planalto fizeram tudo para se livrar do apêndice enxertado na Câmara. Mas tudo não quis nada com eles. Na votação que mais fez o líder Delcídio molhar a camisa, o governo pegou carona numa emenda apresentada pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Sugeria a troca do índice de inflação adotado no projeto. Em vez do INPC, os reajustes seriam calculados pelo IPC-C1, da Fundação Getúlio Vargas.

O governo não tinha a mais remota intenção de colocar a ideia de Cristovam em prática. Endossou-a apenas porque, se aprovada, o projeto teria que ser devolvido à Câmara. E o Planalto ganharia tempo para negociar uma fórmula suportável ou enterrar a proposta. Votada simbolicamente, a emenda foi aprovada. O diabo é que a oposição exigiu votação nominal, que resultou na já mencionada derrota de 35 a 25.

A continuar nesse ritmo, se Dilma sobreviver à crise que a engolfa seu governo terá três anos e meio de ocaso. O recesso parlamentar começa no próximo dia 17. Na prática, as fornalhas do Congresso ficarão ligadas por mais uma semana. Parece pouco. Mas é tempo suficiente para pelo menos mais uma grande derrota.

– Atualização feita às 18h04 desta quinta-feira (9): em telefonema ao blog, o líder do PMDB, senador Eunício Oliveira, informou que teve de se ausentar do plenário na hora da votação para participar de reunião na pasta da Fazenda. Conversou com o ministro Joaquim Levy e o secretário da Receita Jorge Rachid sobre o projeto que eleva a tributação da folha salarial de setores econômicos antes beneficiados com a desoneração. "Não fosse por essa reunião, eu teria votado na emenda do senador Cristovam com muito gosto", disse Eunício.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.