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Josias de Souza

Em poucas horas, Cunha tornou-se desconexo

Josias de Souza

17/07/2015 22h55

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Num intervalo de menos de 24 horas, Eduardo Cunha tornou-se um personagem desconexo. Revelou-se capaz de tudo, menos de formular uma defesa plausível para a denúncia de que embolsou uma petropropina de US$ 5 milhões. Em pronunciamento levado ao ar na noite desta sexta-feira, Cunha autovangloriou-se da aprovação de projetos ainda pendentes de apreciação no Senado e fez pose de político responsável:

"Hoje o Brasil vive uma crise. Crise com a qual todos sofrem e que o governo busca enfrentar com medidas de ajuste. A Câmara tem avaliado essas medidas com critério. Atenta à governabilidade do país, que é nosso dever assegurar."

Horas antes, o Eduardo Cunha da Lava Jato cuidara de desautorizar o Eduardo Cunha da televisão. Levado à vitrine de ponta-cabeça pelo delator Júlio Camargo, o primeiro Cunha aniquilara o segundo, cujo pronunciamento fora gravado antes que a propina milionária viesse à luz.

No momento, a Câmara dos Deputados é presidida por uma caricatura que dispõe de todas as prerrogativas à disposição do terceiro personagem na linha de sucessão da República. A primeira providência adotada pela caricatura, figura ingovernável, foi abrir as gavetas das CPIs e dos pedidos de impeachment.

E quanto à propina? Bem, isso é coisa do complô que uniu o Planalto e o procurador-geral Rodrigo Janot numa trama sórdida para transformar um deputado exemplar num corrupto.

O que Eduardo Cunha afirma, com outras palavras, é o seguinte: enquanto utilizava seu poder de fogo para envolver o presidente da Câmara na Lava Jato, o Planalto esqueceu de livrar das investigações a contabilidade da campanha de Dilma, ministros como Aloizio Mercadante e Edinho Silva, o tesoureiro petista João Vaccari e até o ex-ministro José Dirceu.

Eduardo Cunha parece supor que a sociedade brasileira é feita de cínicos e bobos. Para seu azar, o panelaço que soou durante seu pronunciamento deixou claro que há um outro tipo de cidadão na praça —um brasileiro que não suporta empulhações.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.