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Josias de Souza

Planalto cede um olho roxo para evitar espancamento em votação na Câmara

Josias de Souza

19/08/2015 04h22

De tanto apanhar na Câmara, o governo mudou seu procedimento na votação do projeto que iguala a correção do FGTS à rentabilidade da caderneta de poupança. Para evitar um novo espancamento, o Planalto aceitou ceder um olho roxo.

Em jantar servido a deputados aliados no Palácio da Alvorada na noite de segunda-feira, Dilma Rousseff encomendara o enterro da proposta. Ao perceber que faltavam-lhe votos, o governo foi à mesa de negociação.

O projeto previa que os depósitos do FGTS passariam a ser corrigidos como a poupança a partir de janeiro de 2016. Orientado pelo Planalto, o petista José Guimarães, líder do governo, sugeriu ao relator da proposta, o oposicionista Rodrigo Maia, do DEM, um escalonamento em 11 anos. Nada feito.

Autorizado pela equipe econômica do governo, Guimarães reduziu sua pretensão de escalonamento para oito anos. Sabendo que dispunha de infantaria, o relator topou apenas quatro anos. A negociação ocorria longe do plenário.

Simultaneamente, a bancada governista —ou o que restou dela— empurrava a sessão com a barriga à espera do fechamento de um acordo. No início da noite, Mendonça Filho, líder do DEM e co-autor do projeto, sugeriu ao presidente Eduardo Cunha a concessão de apenas mais dez minutos de prazo.

Abespinhado, um dos vice-líderes do governo, Silvio Costa, do PTB, foi ao microfone: "Quero dizer ao deputado Mendonça Filho que quem dá prazo é oficial de Justiça. E o DEM, pelo que me consta, não é oficial de Justiça. Nós estamos buscando um entendimento. Agora, entendimento na base da pressão não vai acontecer. Se for na base da pressão, a gente vai para o voto."

Mendonça não se deu por achado: "O deputado Silvio Costa quer falar grosso, mas eu acho que o governo não está com essa base tão firme assim para ele falar grosso dessa maneira. Peço ao deputado Silvio Costa, que está muito bravo, que baixe o tom, porque o governo tem que falar fino. O governo está em minoria aqui na Casa."

Silvio Costa, que participara na véspera do jantar do Alvorada, apenas ecoava em plenário o tom de Dilma. No entanto, o líder Guimarães, que também jantara com a presidente, se deu conta do seguinte: se confiasse piamente na fidelidade da coligação governista, não poderia piar depois. Preferiu falar fino.

Guimarães engoliu os quatro anos de parcelamento da nova fórmula de correção do FGTS. Recomendou aos supostos liderados que votassem a favor do texto do relator. A aprovação se deu em votação simbólica.

O projeto seguiu para o Senado. Se não for modificado, irá à mesa de Dilma. Que pode sancioná-lo ou vetá-lo. Guimarães não quis se comprometer com a sanção. Disse que a área econômica do governo terá de fazer as contas.

No início do mês, o governo sofrera uma derrota humilhante na Câmara. Dilma assistira à aprovação, em primeiro turno, da emenda constitucional que vinculada os salários dos advogados da União e dos delegados a 90,25% do contracheque de um ministro do Supremo.

O placar correspondeu a uma surra homérica: 445 votos a 16. Foi como se o governo saísse do plenário da Câmara com escoriações por todo o corpo, os braços e as pernas quebradas. Perto desse resultado, o olho roxo da votação do FGTS é um alívio. Mas está longe da tranquilidade que o governo anunciara na semana.

Ficou entendido que o armistício firmado entre Dilma e o presidente do Senado, Renan Calheiros, por enquanto na vale para a Câmara.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.