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Josias de Souza

Compromissos do governo Dilma ficam no gogó

Josias de Souza

11/09/2015 05h30

'Boa notícia' de Dilma sobre o lançamento da fase 3 do 'Minha Casa, Minha Vida' ficou no gogó

Às 14h13 do dia 5 de agosto, Dilma Rousseff plugou-se à internet para anotar na conta que mantém no Twitter uma "boa notícia". Ela acabara de marcar a data do lançamento da terceira fase do programa Minha Casa, Minha Vida. Planejara com sua assessoria uma cerimônia grandiosa. Coisa compatível com a meta vazada para o noticiário nos dias seguintes: 3 milhões de novas casas populares. Era tudo gogó.

Nesta quinta-feira (10), dia escolhido por Dilma, a solenidade pomposa virou uma reunião a portas fechadas com representantes de movimentos sociais e construtoras. A meta sumiu. Não há nem mesmo data para o início da nova fase. Informou-se que haverá mudanças nas faixas de renda do programa e uma elevação da taxa de juros cobrada da faixa mais alta. Mas a presidente se absteve de enviar ao Congresso uma medida formalizando as novidades. Por ora, só gogó.

Sem dinheiro, o governo decidiu enxugar o orçamento do 'Minha Casa'. A prioridade passou a ser arranjar verbas para concluir a segunda fase do programa, que convive com a constrangedora marca de 1,4 milhão de casas ainda pendentes de conclusão. O ministro Nelson Barbosa (Planejamento) condicionou a fixação de metas e datas à aprovação de um orçamento pelo Congresso. De antemão, avisou que o ritmo da fase 3 será ditado pela penúria fiscal.

O programa de casas populares não é exceção, mas parte de uma regra vigente no segundo mandato de Dilma, iniciado há nove meses. A garganta tornou-se a principal ferramenta de gestão da presidente. O fenômeno afeta outra iniciativa estratégica: o plano de concessões de obras de infraestrutura à iniciativa privada. Foi anunciado como novidade em junho. Mas, em verdade, tratava-se do relançamento do programa anunciado há três anos, que fracassou por conta do excesso de intervencionismo do governo.

Dessa vez, anunciou Dilma, as concessões de ferrovias, estradas, portos e aeroportos resultariam em investimentos de 198 bilhões. Gogó. Espremendo-se a cifra, verificou-se que a previsão era de que apenas R$ 69 bilhões se materializariam até 2018, último ano do atual mandato. Nada para 2015. Para 2016, algo como R$ 20 bilhões. Tudo condicionado à realização de estudos de viabilidade técnica e de impacto ambiental das obras. Que se encontram atrasados.

Quer dizer: embora tenha parado de torcer o nariz dos empresários, tornando as futuras concessões mais atraentes, o governo perde-se numa burocracia que trava investimentos que, embora tímidos, são essenciais para um país em que a única coisa que cresce deforma consistente é a dívida pública.

No mês anterior, maio, o Planalto aproveitara a visita do primeiro-ministro chinês Li Keqiang para trombetear um pacote de cooperação com a China que resultaria em investimentos de US$ 53 bilhões. A coisa incluía, entre outras coisas, obras nos setores de transportes, energia e mineração. O problema é que havia mais vapor do que energia nos entendimentos.

Excetuando-se acordos que vinham sendo negociados há tempos —a compra de 22 jatos da Embraer e a reabertura do mercado chinês para a carne brasileira— todo o resto era gogó. Inclusive a festejada Ferrovia Transoceânica, que ligaria por 4.700 quilômetros de trilhos o Oceano Atlântico, no Brasil, ao Pacífico, no Peru, cortando a floresta amazônica e a cordilheira dos Andes. A mesma obra já havia sido anunciada um ano antes, durante visita de outra autoridade chinesa ao Brasil, o presidente Xi Jinping.

O que parecia ser um negócio da China —R$ 53 bilhões caídos do céu— não passava de memorandos de intenção à espera da realização de estudos e da fixação de prazos e condições. Numa palavra: mais gogó.

Noutra iniciativa, Dilma convidou os governadores para uma reunião no Palácio da Alvorada, em julho. A única coisa que resultou desse encontro foi uma notícia falsa, veiculada no blog do Planalto, sobre uma inexistente unanimidade dos governadores contra a tese do impeachment da anfitriã. No mais, tudo não passou de gogó.

A presidente pediu apoio dos governadores contra a aprovação do que chamou de pautas-bomba no Congresso. Continuou sendo surrada nas votações, sobretudo na Câmara. De resto, ao discursar para os governadores, Dilma propôs a celebração de um "pacto nacional" pela redução de homicídios no país (assista um trecho no vídeo abaixo). Encerrada a reunião, ninguém mais tocou no assunto. É como se os governadores tivessem desligado Dilma da tomada.

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Noutro movimento de garganta, a presidente endossou a agenda de projetos desenvolvimentistas reunida em cima do joelho pelo presidente do Senado, o sempre investigado Renan Calheiros (PMDB-AL). Batizada de 'Agenda Brasil', a coleção de projetos foi submetida por Renan a uma comissão especial. Dilma não tocou mais no assunto.

No momento, o gogó da presidente dedica-se a tarefas mais prementes: a promessa de colocar em pé até o final do mês um pacote de ajustes que combine cortes de despesas, reformas estruturais e elevação de tributos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.