Topo

Josias de Souza

Everardo: ‘Sem credibilidade não tem salvação’

Josias de Souza

14/09/2015 19h38

Especialista em contas públicas, Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, reagiu com ceticismo ao anúncio das novas providências fiscais do governo. "Nessa matéria, a questão central envolve credibilidade", disse. "Sem credibilidade não tem salvação. Na semana passada, o governo enviou ao Congresso um Orçamento com déficit de R$ 30,5 bilhões para 2016. E disse que não tinha outro jeito. Agora, encontrou um jeito. Quando você diz uma coisa que não é, você está morto."

Com a experiência de quem produziu um corte de despesas públicas de 1,5% do PIB em 1988, sob a presidência da José Sarney, Everardo diz que a credibilidade é essencial para obter a força política necessária à aprovação de medidas antipáticas no Congresso. "Qualquer parlamentar é capaz de cortar o dedo mínimo se estiver convencido de que isso salva a pátria. Mas, sem convencimento, não aceita cortar nem a unha." Em 1988, recorda Everardo, os parlamentares anularam os cortes criando novas despesas no intervalo de dois meses.

Sob Dilma, diz Everardo, a dificuldade é potencializada pelo fato de Dilma Rousseff tentar consertar problemas que foram criados por ela mesma, no primeiro mandato. "É difícil pedir agora que acreditem na solução apresentada por uma pessoa desprovida de credibilidade e vista como incompetente. A situação da presidente já esteve mais fácil."

Everardo ironizou a "travessia" proposta por Dilma. "Ela vai de um pólo ao outro sem passar pelo Equador. Para fazer uma travessia assim, tão ambiciosa, convém se aconselhar com Moisés. Ele sofreu muito para fazer a travessia."

A situação do governo piorou, acredita Everardo, em função do vaivém. Para ele, o Planalto tentou chantagear o Congresso ao enviar o Orçamento deficitário. "Quando disseram que não tinha jeito de cortar mais despesas, eu disse: tem, sim. Sempre tem jeito de cortar. O Congresso devolveu o abacaxi. E fez muito bem. Depois que o país perdeu o grau de investimento, o governo acabou fazendo novos cortes. Não foi uma movimentação que possa ser qualificada como inteligente."

Coletor da antiga CPMF como secretário da Receita no governo FHC, Everardo disse que a recriação do tributo "é a solução menos pior desde que não haja possibilidade de fazer mais cortes." Ele enumerou as vantagens da CPMF: "É menos dolorosa, universal e produz efeitos imediatos por ser fácil de cobar." Recordou que os brasileiros mais pobres eram isentos.

Acha que as medidas serão aprovadas no Congresso?, perguntou o blog a Everardo. E ele, evocando Garrincha: "Isso vai depender dos russos. É preciso verificar como reagirão os russos, dentro e fora do Congresso. No Congresso, o pessoal só fala russo. E o contingente de russos no Legislativo é notável." De resto, Everardo afirmou que "os russos" não costumam reagir bem a governos sem unidade. "Numa guerra como essas, não é possível que o ministro 'A' diga uma coisa e o ministro 'B' diga o seu oposto."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.