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Josias de Souza

Medo do dólar e fisiologismo dão fôlego a Dilma

Josias de Souza

23/09/2015 06h11

Dilma Rousseff persegue dois objetivos estratégicos: não cair e passar a impressão de que comanda. Nas últimas horas, porém, quem fez e aconteceu foi o dólar. Ao bater em R$ 4,054, a cotação da moeda americana transformou todos, incluindo a presidente da República e seus aliados, em especuladores do mercado. Especulam sobre onde vai dar tudo isso. Por ora, deu na constatação da impotência do governo.

Até o início da tarde desta terça-feira, Dilma manobrava com a cúpula do Congresso para adiar a sessão noturna em que seriam analisados mais de 30 vetos presidenciais. Tinha medo de que os congressistas derrubassem seus  vetos, religando as bombas fiscais. De repente, Dilma se deu conta de que sua fuga colocava o futuro do governo nas mãos de três dúzias de operadores das mesas de câmbio, a maioria com menos de 30 anos. E ela passou a encarecer que seus vetos fossem analisados, não empurrados com a barriga. A sessão conjunta do Congresso foi mantida.

Convocados pelo dólar para uma vigília cívica, os congressistas molharam a camisa até pouco depois das duas da madrugada desta quarta-feira. Nas primeiras votações, preservaram os vetos de Dilma, inclusive o que evitou que fosse fulminado o fator previdenciário. Súbito, quando se aproximava o momento de analisar o veto ao aumento dos servidores do Judiciário, o quórum se dissipou. Os aliados de Dilma sumiram do plenário. E a oposição, tonificada por dissidendes governistas, decidiu bater em retirada.

Submetido ao ermo, Renan Calheiros viu-se compelido a encerrar a sessão sem que os vetos mais cabeludos fossem enfrentados. Líder do DEM, o deputado Mendonça Filho ironizou: "Com 15 dias de agravamento da crise, o PMDB arrancou de Dilma ministérios como o da Saúde e o da Infraestrutura. Vale a pena esperar um pouco mais. Em 30 dias, arrancamos dela a Presidência da República."

Paradoxalmente, o dólar nas alturas deu um hálito de sobrevida a Dilma. O único problema é que os disfarces se foram e sua dependência total dos humores da conjuntura ficou nua. Há nove meses que o brasileiro convive com a sensação de que Dilma já não tem o menor controle sobre sua vida, nem privada nem institucional. Ela foi apenas a última a se dar conta disso. Já está tomando as providências para contornar o problema. Sob o império do fisiologismo, torna-se gradativamente uma presidente da cota do PMDB.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.