Topo

Josias de Souza

Governo age como se executasse missão divina

Josias de Souza

04/10/2015 23h00

Esgotados todos os prazos e as prorrogações concedidas ao governo para que se explicasse ao TCU sobre as pedaladas fiscais de 2014, o governo decidiu aguir a suspeição do relator do caso, ministro Augusto Nardes. Fez isso a 72 horas do julgamento, depois de farejar a derrota. Pela primeira vez em 80 anos, o TCU deve rejeitar as contas de um presidente da República. Não tendo mais explicações a oferecer, o governo insinua que o julgamento estaria contaminado pela política.

O contrário do antigovernismo primário é um pró-governismo inocente, que aceita todas as presunções do governo a seu próprio respeito. Em matéria de prestação de contas, isso inclui aceitar que Dilma tem uma missão de inspiração divina e, portanto, indiscutível.

Todos os governos cultivam seus mitos de excepcionalidade. Mas é inédita na história essa pretensão da gestão Dilma a ser uma potência moral, que só deve contas à sua própria noção de superioridade moral. Inédito também o grau de submissão que o governo exige de todos, inclusive dos ministros do TCU, aos mitos autocongratulatórios e à sua missão evangelizadora.

Não é a hipocrisia do governo com sua desfaçatez fiscal que assusta. O que assusta mesmo é que Dilma e seus devotos não estão sendo cínicos. Eles acreditam mesmo que a missão da primeira presidenta da história dá ao governo o direito de manipular o orçamento para fins que desafiam, muitas vezes, não só a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o bom senso.

É como se as autoridades perguntassem: como poderiam os fins de uma presidente incomum ser julgados com base na lei e no senso comum?

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.