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Josias de Souza

Lula tentou suprimir do depoimento à Procuradoria o ponto de exclamação

Josias de Souza

15/10/2015 19h36

Submetido a uma torrente de horrores, o brasileiro se espanta cada vez menos. O Brasil tornou-se um país de pouquíssimos espantos. Mas Lula exagerou. Foi interrogado pela Procuradoria da República sobre a suspeita de tráfico de influência em favor de empreiteiras. Depois, em nota divulgada no site do instituto que leva o seu nome, o ex-presidente tentou suprimir do fato o ponto de exclamação.

Em linguagem leve, o texto anota que Lula "esteve" com o procurador da República Ivan Cláudio Marx. Acrescenta que o morubixaba do PT "prestou voluntariamente depoimento." Ora, Lula não fez uma visita casual ao doutor. Apresentou-se a um investigador que apura a suspeita de que tenha beneficiado ilegalmente empreiteiras na época em que presidia a República.

Lula falou "voluntariamente" para se antecipar ao constrangimento de uma intimação. Antes, o morubixaba do PT tentara questionar formalmente a investigação. Mais: atuara para desqualificar os investigadores e trancar o inquérito. Fez tudo isso também voluntariamente. Só que não colou.

Depoimento de um ex-presidente em inquérito que o trata como suspeito não é algo banal. Sobretudo quando se considera que as empreiteiras supostamente beneficiadas tornaram-se clientes da empresa de palestras de Lula, hoje um próspero ex-presidente. Desnecessário recordar que as mesmas construtoras frequentam os processos da Lava Jato de ponta-cabeça.

Logo, logo Lula terá de depor à Polícia Federal. O delegado Josélio de Sousa já pediu. E o STF autorizou. Nesse caso, o doutor deseja inquirir Lula porque, "na condição de mandatário máximo do país" na época do assalto à Petrobras, ele "pode ter sido beneficiado pelo esquema […], obtendo vantagens para si, para seu partido, o PT, ou mesmo para seu governo, com a manutenção de uma base de apoio partidário sustentada à custa de negócios ilícitos na referida estatal."

O que se passa com Lula não é algo trivial. Só o Instituto Lula não se espanta. Amanhã, se os procuradores da Lava Jato e o juiz Sérgio Moro intimarem Lula para prestar depoimento em Curitiba, o ex-presidente e sua entidade decerto soltarão outra nota. O texto, de novo, não fará a concessão de uma surpresa. É outro interrogatório? Pois Lula terá prazer em visitar a força-tarefa. E voluntariamente.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.